Lembro-me bem quando vi o filme de Anselmo Duarte, O Pagador de Promessas, exibido no Cine Madrid em Feira de Santana, Bahia. Conhecia o ator dos filmes da Atlântida, exibidos no Cine Teatro Cliper, de propriedade de meu pai, na cidade de Ipirá. Ver O Pagador de Promessas foi (é) uma experiência marcante. A atmosfera do filme, as interpretações, a forma como o cineasta capta Salvador e seu arredores, o desenvolvimento do roteiro e a estrutura narrativa clássica prenderam a atenção do garoto que aos 12 anos tinha o cinema como a sua maior diversão. Era o meu brinquedo preferido, capturado que fui desde os seis anos, quando era levado às matinês no cinema onde passei parte de minha infância. Anos mais tarde, me dei conta da polêmica desencadeada pelos cineastas ligados ao ciclo que ficou conhecido como Cinema Novo, críticos contundentes do filme. Consideravam a obra esquemática, acadêmica, conservadora nas suas constituintes. Não aceitavam o fato do filme ter recebido a Palma de Ouro no Festival de Cannes (1962). Por falar em premiação, a lista de láureas concedidas ao filme O Pagador de Promessas, aos seus atores e técnicos é imensa. Para quem se interessar em conferir, indico o ótimo Dicionário de Filmes Brasileiros de autoria de Antônio Leão da Silva Neto (não é meu parente). No tempo da minha adolescência, eu não me interessava por essa querela, ainda hoje não sei se isso me interessa. O que importava é que o mesmo impacto causado em mim pelo filme de Anselmo Duarte, foi o mesmo causado por Barravento (1961), Porto das Caixas (1962), Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964), Vidas Secas (1963), entre outros expoentes da cinematografia tupinquim. É certo que ao longo daquele tempo, fui percebendo as diferenças que regiam a gramática dos diretores que se opunham ao filme de Anselmo Duarte, mas isso não mudou em nenhum momento a força de comunicação do seu filme em mim. Revi O Pagador de Promessas inúmeras vezes. Em todas elas, constatei a presença dessa qualidade que torna alguns filmes memoráveis. Mesmo com outros olhos, os já cansados de tantas imagens e tantas estéticas, pude retirar da obra um leitura renovada, um aspecto não percebido, um detalhe perdido. Em meio a tudo isso, a força da primeira impressão a pulsar diante das cenas revisitadas. O adolescente ensimesmado que residia na mesma rua do Cine Madrid, não imaginava que um dia estaria em um set de filmagem juntamente com Anselmo Duarte e fazendo um personagem que era marido da personagem de Ilka Soares. Tal acontecimento, devo a Djalma Limongi Batista, que me escolheu para o pequeno papel em seu longa Brasa Adormecida (1986). Filmado em uma belíssima fazenda no interior de São Paulo, o longa reunia um elenco numeroso e Anselmo Duarte marcava com sua experiência e passado o filme e, com histórias, os longos e às vezes entediantes intervalos das filmagens. Enquanto eu ouvia seus casos, lembrava-me do Cine Teatro Cliper onde vi Tico-Tico no Fubá, Absolutamente Certo e outros filmes que a memória não dá conta. Fui espectador de Vereda da Salvação, o belo filme que fez depois do sucesso de O Pagador de Promessas. Rejeitado pelo público, raramente é exibido. Quem sabe agora, depois de sua morte, façam uma retrospectiva dos seus trabalhos como ator e diretor. Vê-lo em O Caso dos Irmãos Naves de Luiz Sérgio Person, é tomar conhecimento de uma ator com possibilidades interpretativas que não se restrigem ao trabalho do galã que foi. Aplausos para Anselmo Duarte.