sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Registro 290: Estado laico

Vale a pena ler em A Tarde de hoje, 18 de dezembro, 2009, o artigo de Luiz Mott Estado Laico. O antropólogo vai na mosca e deixa uma alerta. Transcrevo um trecho: "Merece aplauso o poder público ao negar privilégio aos estudantes religiosos que recusam fazer provas do Enem no sábado. Devem ser multados ou caçado o alvará dos templos que desrespeitam o sagrado direito de repouso do cidadão, cujo sono é prejudicado pelos ruídos infernais de liturgias e alto-falantes. O sábado foi criado para o homem e não o homem para o sábado, disse Jesus."

domingo, 13 de dezembro de 2009

Registro 289: 13 de dezembro

Hoje, 13 de dezembro, é dia de Santa Luzia, a padroeira dos que não veem a luz. A festa é celebrada em Salvador na igreja dedicada a ela, uma belo conjunto arquitetônico que vive uma processo de restaura arrastado sem que se saiba até quando se concluirá. Os órgãos encarregados de cuidar do patrimônio de pedra e cal devem saber.
O conjunto fica situado numa área degrada da Cidade Baixa, nada convidativa para uma visita, mas no dia 13, os fiéis vão pegar a água da fonte dita milagrosa. Gosto da santa por essa simbologia ligada ao ver e a sua incapacidade. Embora se possa ver de muitas maneira: a linguagem dos sinais está aí para que os privados da visão possam ver.
Dia 13 de dezembro é também a data de aniversário do malfadado e miserável e estúpido Ato Institucional Número 5 editado pelo governo civil-militar em 1968. Não lembro de ter ouvido sua proclamação já que no horário em que a notícia foi dada em cadeia nacional, eu devia estar ensaiando Biedermann, e Os Incendiários, texto de Max Frisch sob a direção de Alberto D' Áversa na Escola de Teatro da UFBA. Mas lembro-me bem dos seus efeito deletérios sobre a vida de todos nós.
Dentre seus efeitos, o que atingiu a minha categoria, a dos artistas, a maior foi a censura. Se é que posso dizer maior, já que o AI5 castrava toda possibilidade de manifestação de quqluer categoria. Mas a censura ao teatro, ao cinema, as artes plásticas e a literatura foi grandemente danosa. A Segunda Bienal de Artes Plástica da Bahia, aberta no Convento da Lapa foi fechada e muitas obras retiradas a partir da sanha proibitiva do governo. O passando nos olha dizendo que devemos ficar atentos, como aquela canção de que diz a mesma coisa.
Após 24 anos anos da queda do regime militar, depois da redemocratização e da Constituição que se fez depois da Abertura e nos rege, eis que o Supremo Tribunal Federal nos joga no túnel do tempo e nos deixa assombrados ao manter a censura ao jornal O Estado de S. Paulo. E para isso seis ministros usam de firulas, mantendo-se aferrados a princípios que ferem a Constituição cujo artigo 220, diz que "é vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica ou artística", tudo isso para esconder-proteger a família Sarney, sem que se possa acompanhar o andamento das investigações.
Aproveito para citar mensagem enviada ao Estado pelo professor Plácido Z. Táboas. Diz o texto: "A frase 'se é inviolável a honra e a intimidade, é preciso que isso tenha alguma consequência' não seria mais apropriada para o caso do caseiro Francelino Costa? Provavelmente o mesmo ministro não a tenha proferido naquela ocasião porque então se julgava a violação do sigilo bancário de uma pessoa comum, perpetrada por essas pessoas incomuns. Nenhum Poder da República se salva...' (O Estado de São Paulo, 13 de dezembro de 2009, p.A 2)
O desprezo pela Constituição abre perigoso precedente. E como não sabemos o que se arma nos corredores do Poder, somos levados a terríveis fantasias ou não? Espero que o fantasma da ditadura, seja ela de direita ou de esquerda, não se apresente no horizonte do país.

sábado, 5 de dezembro de 2009

Registro 296: Espanto!

Ontem (04.12.2009), dia da padroeira das tempestades, de calor intenso e muita luminosidade, deparo-me na edição de A Tarde com uma carta em defesa da Marcha da Maconha. Nada contra. Marcha-se por tanta coisa, umas até indefensáveis! Outra nem tanto.
O meu espanto não é fruto nem da Marcha nem da carta. Mas através dela fico sabendo que o sociólogo Renato Cinco estabelece uma relação entre a repressão ao tráfico como sendo uma questão abolicionista, ou melhor antiabolicionista, visto que para ele, os perseguidos, pessoas ligadas ao tráfico, são "negros" e "pobres". Por serem negros e pobres são vítimas do preconceito e a perseguição se dá por essa condição. Penso ser uma distorção. Não me parece que o tráfico esteja associado a essa ou aquela etnia nem é uma questão de classe.
Se a contravenção está instalada nas regiões onde se encontram moradores de baixa renda, não podemos sair em defesa da criminalidade por conta da pobreza e de serem negros o contrataventores. O tráfico também se instala em outras camadas da sociedade e o problema deve ser atacado do ponto de vista da criminalidade, seja ela conduzida por qualquer pessoa. Não sendo assim, instala-se a barbárie! O que se persegue não são negros e pobres, assim me parece, mas contraventores, "comerciantes" ilegais de drogas, algumas delas mortais. E essa ação não fica circunscrita ao ciclo de venda e consumo, não necessariamente nessa ordem. O comércio ilegal na mão de brancos ou negros, leva a um ciclo de horror derivado da violência gerada por esse ambiente.
O posicionamento do sociólogo escamoteia, desvia e tenta criar uma falácia. Depois, quando se diz que a sociologia serve para tudo e não serve para nada, desperta-se o furor dos sociólogos de plantão. Mas teses estapafúrdias como estas causam espanto e são perigosas. Não creio que a luta para vencer o preconceito e incluir passe por essa ótica. Não creio que tal tese amplie a discussão sobre a legalização das drogas, assunto complexo que não deve ser discutido por esse viés. Essa visão idealizada do povo não faz avançar as suas questões nem contribui para o processo transformador. A que ponto nós chegamos!

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Registro 295: Corajoso posicionamento

Meu nome é dirigismo, e escreve-se na pedra!

Gideon Rosa

Ator e jornalista

A classe artística pode e deve imediatamente reagir a declaração (jornal A TARDE, 27.11.2009, pág. A-8, editoria de Salvador) arrogante e cínica do diretor do Teatro Castro Alves quando, para tentar justificar a ausência de inscrições para os editais do Núcleo do TCA, disse: “Meu questionamento a isso tudo é que talvez essa propalada crise na cultura esteja acontecendo dentro do cerne (sic) dos criadores. Mas vamos relançar o edital do tema livre ainda em dezembro em data a ser anunciada até o fim da semana que vem... no caso de novamente não haver inscritos com documentação em ordem minha posição é de que não haja uma terceira tentativa... “

Os stanilistas remanescentes – no Brasil e no mundo – devem estar todos com os pelos eriçados. Jamais, em tempo em algum, foram tão competentes quantos esses gestores da cultura baiana: eles possuem talento inigualável para mentir, distorcer, manipular, cooptar, coagir pela força do vil metal e, principalmente, enriquecer aproveitando as brechas da legislação, mantendo a cara de humildade.

Qualquer gestor com uma vírgula de humildade iria desejar investigar as razões pelas quais os artistas baianos não quiseram se inscrever nos editais do Núcleo do TCA. Se assim o fizesse, iria descobrir que a razão pela qual os artistas se afastaram – àqueles que ainda possuem brios e respeito pelo seu ofício – é pelo simples fato de não desejarem se submeter ao atual grau de dirigismo do processo criativo embutido nos editais. Os editais estão atualmente configurados de modo nocivo à produção artística, e, claro, ao processo criativo. Os editais são – todos, indistintamente, não importa a unidade, se na Funceb, se no Irdeb, se no TCA, em qualquer campo – um emaranhado manual de como os artistas devem manejar seu processo criativo. Isso é uma afronta inaceitável para quem se respeita!

Aí então, àqueles que ainda possuem algum discernimento se recusam a concorrer a um prêmio de R$ 200 mil para uma montagem (menos o desconto linear de 20%), cujo edital estipula um número mínimo e máximo de atores, o que configura uma descarada ideologia de reparação social através da arte. Além disso, exige-se um piso salarial de R$ 2.500,00 (para atores) e técnicos (variadas faixas) durante três meses. Mas esquecem de fazer as contas. Quem é o artista que, antes de começar, conhece todas as démarches do processo criativo? Ainda não nasceu quem o soubesse. Um processo criativo pode durar um mês, 14 ensaios, 40 ensaios, não há parâmetro; só as necessidades do trabalho vão determinando isso.

Para agravar, os editais exigem que os ganhadores ministrem uma série de oficinas tão idiotas que o coitado passará mais tempo elaborando as oficinas (se for honesto, claro) que não terá tempo de pensar artisticamente em sua própria montagem. Sem falar que as parcelas não são pagas no tempo devido, mas as despesas de produção não esperam, e a prova disso é que a última produção do Núcleo do TCA (Jeremias...) teve um final melancólico: dívidas, brigas internas, inadimplência, troca de elenco etc.

Mas os editais da Funarte, Caixa Cultural, Petrobrás e outros que existem por aí têm salvo parcialmente a situação. A vitória dos artistas baianos nesses editais externos comprova, com clareza, que os artistas baianos não estão em crise criativa. A crise é, verdadeiramente, de gestão, de ausência de um plano para as artes, como confessou publicamente o próprio secretário, muito embora a grande mídia não tenha registrado essa frase emblemática. Em resumo, são esses editais externos que permitem que se dê uma pequena volta por cima dessa perseguição implacável aos artistas implementada pelos atuais gestores da cultura baiana. São eles que têm mantido a dignidade mínima da produção artística da Bahia. Poderia ser mais, mas a arrogância resolveu colocar tudo no mesmo balaio e o resultado é uma confusão da qual nem eles próprios conseguirão mais sair.

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Publico o texto do ator Gideon Rosa, pois trata-se de um pensamento corajoso a respeito de uma questão que não pode ser deixada de lado. Se a culpa está na política cultural do atual governo, refletindo-se em uma edital que não desperta interesse entre os artistas de teatro, é necessário que os mandatários revejam sua postura. Ainda que estejam nos cargos para se colocarem na defesa de uma proposta político-partidária, que repensem suas ações à luz do bom senso, visto que tal projeto vem se mostrando ineficaz. Que as palavras de Gideon Rosa se propague, não como assunto de fofoca, mas como um alerta para todos os artistas e principalmente para aqueles que estão no poder. Poder passageiro, diga-se de passagem! A vingança não é a melhor atitude.

sábado, 28 de novembro de 2009

Registro 294: A última sessão de teatro


Pensei encontrar uma excitação exagerada no hall de entrada do Teatro Vila Velha, aquela estereotipada atitude em dia de estreia, quando a classe teatral se reúne: veteranos, novatos, aspirantes, muitos desejosos de estar no palco, o que é natural. Os famosos, os que se acham famosos, os colunáveis, os amigos dos artistas, os familiares, todos num enxame que, por vezes, parece que o espetáculo é na plateia, não no palco. Mas não foi essa a atmosfera que vi e senti ontem à noite. O Teatro Vila Velha de saudosa arquitetura, agora no seu modelo atual, de múltiplas possibilidades, abrigava um numeroso público sem estardalhaço.

Os convidados foram chegando e se reunindo à espera de A Última Sessão de Teatro, o espetáculo-homenagem que Luiz Marfuz criou e Selma Santos produziu para comemorar os 70 anos do ator, professor e diretor Harildo Déda. Boa parte da plateia era de ex-alunos, companheiros de palco, amigos, familiares, mas se não me engana a memória, dei por falta de muita gente.
Perdoa-se a não presença daqueles que já se foram, pois alí não podiam estar. Talvez numa sessão espírita!
Sem muita certeza, posso dizer que a energia de alguns estava presente: João Augusto, Sônia dos Humildes, Alberto D'Aversa, Margarida Ribeiro, Álvaro Guimarães, João Gama e tantos outros que estiveram presentes em momentos diversos da vida de artista de Harildo Déda.
Da mesma forma, senti a falta de depoimento dos companheiros da "antiga" no programa.

Depois do inevitável merchadise e do aviso de como se comportar, houve uma longa pausa. Necessária para nos preparar para a finalidade da noite. Um silêncio grave e pesado tomou conta da sala. De repente soaram os três sinais. Soaram como se de longe, de muito longe dos tempos. Por que não substituí-los pelas pancadas de Molière? Por fim, a luz banhou o elegante, sóbrio e apropriado espaço criado por Rodrigo Frota, jovem cenógrafo que se afirma no palco, com bastante sensibilidade para o ofício. Os adamascados que usa para criar o ambiente remetem ao palco, palco histórico. Os poucos móveis completam a cena, cujo piso de madeira prensada e de cor natural reflete a luz clareando os tons escuros dos tecidos. Três áreas para a representação: um palco que avança, uma área sob uma cobertura e resguardada por uma cortina. Acima dela, uma balaustrada. Não fosse o ator uma apaixonado por Shakespeare seria apenas uma coincidência. Ocorre-me agora ser tal opção, uma citação? Mas isso não tem importância. Ficar decifrando códigos durante a apreciação é não se envolver com a essência da representação.
Criada a moldura, instalada a atmosfera pela habilidade do diretor, eis que entra em cena o ator, o personagem, o ator-personagem? O jogo inicial é o do teatro dentro do teatro. E logo sabemos que o ator-personagem já não consegue se lembrar dos textos. A memória falha. E é sobre isso que ele fala, mas fala, sobretudo dos significados do teatro. E nos pergunta, e a si mesmo, se o teatro ainda significa alguma coisa. A ironia de tudo: o ator é conhecido por HD, mas sua memória falha e ele abandona o teatro quando da temporada de Rasga Coração, o monumental e controverso texto que Oduvaldo Vianna Filho nos legou do leito do hospital. Não há aqui a pretensão de analisar o embate geracional que o talentoso autor traz em seu texto, mas informar que ele vai servir, em A Última Sessão de Teatro, para ilustrar de maneira muito apropriada a temática que Luiz Marfuz escreveu para Harildo Déda.
No desenrolar do enredo, mais um texto agrega-se ao tema da peça - a relação de um velho ator com um jovem desejoso de se tornar ator tal qual seu ídolo. Fato que acontece quando HD, depois de muito relutar, passa a lhe ensinar o ofício. O texto seguinte, Eles Não Usam Black-tie de Gianfrancesco Guarnieri, serve de contraponto, da mesma forma que Rasga Coração, somando-se a uma situação conflitante da peça de Marfuz. No dia do teste para o papel de Lucas na montagem de Rasga Coração, retorno de HD aos palcos, o jovem Luiz Fernando mente, justificando o seu atraso. Sua mentira convence o mestre e ele ganha o papel. Ao ser descoberto é expulso da casa por HD e por sua companheira, Olga. Nos textos de Guarnieri e Vianinha, um pai bate-se com um filho; duas gerações, com pensamentos diversos entram em conflito. Nas duas peças, apesar do afeto que une os dois, o filho é expulso de casa. De forma engenhosa, sem grandes malabarismos, Marfuz arma a sua trama e expõe de maneira muito viva os três momentos, costurando-os de forma bastante segura. Esse mecanismo torna seu texto abrangente, ele pode falar a outra faixa de público, aquela que não é do meio teatral, já que o seu texto está permeado de referências somente conhecidas para quem é do métier ou conhece Harildo Déda.
Antes de introduzir os dois textos consagrados da dramaturgia nacional, Marfuz insere na cena o "inventor do humano", fazendo HD interpretar monólogos retirados de peças de Shakespeare, autor que ele usa também para ensinar Luiz Fernando a dizer um texto. Para quem conhece as habilidades do ator-professor com o universo do bardo, fica em nós a vontade de vê-lo em cena interpretando as monumentais criações de Shakespeare. Ao dizer o monólogo de Lear, o intérprete deixa ver o que pode fazer com o papel. Fosse noutra praça, o nosso primeiro ator, teria condições de fazer o Rei Lear na totalidade, ou Próspero de A Tempestade.
Esclarecido o embuste, recurso que Luiz Fernando usou para ganhar o papel, tanto HD quanto Olga acolhem o jovem, que vê a sua chance chegar. No final de A Última Sessão de Teatro, diferentemente dos personagens Lucas e Tião, das peças citadas, Luiz Fernando se integra ao núcleo "familiar" e passa a fazer parte da família do teatro, unindo-se ao elenco da montagem de Rasga Coração, sem antes ouvir reprimendas do mestre. A relação mestre e discípulo se completa.
O espetáculo se ergue sem pirotecnia por parte do diretor. Marfuz está a serviço de uma ideia e do seu intérprete, Harildo Déda. Sem descuidar de Neide Moura (Olga) e revelando Fernando Santana, ator com futuro promissor, o diretor arma a cena de maneira que os personagens apareçam e os atores possam mostrar a competência necessária para comunicar-lhes ao público. É certo que o foco é HD, e seu intérprete sabe tirar partido desse personagem tão próximo dele. De maneira irônica, ele expõe seus cacoetes e nos convence de que não é ele quem está em cena. Esse jogo torna o espetáculo uma demonstração de sua metamorfose. Mas todo tempo, é como se ele piscasse nos enganando. Hypokrités.
Na estréia, contando com a cumplicidade da plateia, Déda não se deixou levar por esse sentimento, mas soube tirar partido da situação e nos envolveu sedutoramente. Tanto nas passagens realistas da peça, quanto nos momentos de reflexão, parênteses que se abrem ao longo do drama, ele se utiliza do cabedal que a vida no palco e na sala de aula lhe deram. Atinge nos monólogos uma qualidade interpretativa invejavel para qualquer ator que queira estar no palco com a segurança que ele tem. Nesses momentos, o ator utiliza e domina os recursos vocais e corporais para nuançar as palavras que brotam de uma compreensão que tem do texto. A palavra compreendida soa clara e precisa, pois dita pelo domínio da técnica, sem o artificialismo teatralista, mas reveladora da teatralidade. Essa compreensão do que é estar no palco, essa outra realidade, Harildo Déda mostra sem pomposidade e divide a cena com seus companheiros. Gostaria de têlo ouvido completar as canções que em dois momento entoa. O mágico e inesperado momento em que começa a cantar Over the Rainbow é interrompido sem que a cena se complete. Uma pena! O fugaz momento em que canta um trecho de Zumbi (Guarnieri, Boal, Edu Lobo) poderia se concluir. Déda tem recursos de cantor para exibi-los, como já o fez na montagem de Zumbi (1966) sob a direção de Álvaro Guimarães e na Companhia das Índias (Nelson de Araújo, Orlando Senna), em 1968, quando cantava à capela Ol Man River.
Neide Moura, tem nas mãos o personagem mais ingrato. No jargão e na tradição do teatro, é escada para o protagonista. Por isso, Olga não lhe dá possibilidade de grandes vôos, mas a atriz corresponde ao que lhe é dado, marca com sua presença a cena. Na silenciosa Romana de Black-tie demonstra qualidades de atriz presentes em toda a sua atuação.
Fernando Santana como Luiz Fernando, o jovem ator que se posta diante da casa de HD para ser atendido e realizar seu desejo, é uma grata supresa. Infunde verdade ao personagem, usa bem a sua bela voz e não se intimida diante dos atores experimentados com quem contracena. Uma boa promessa.
A iluminação de Walter Santos e Luiz Marfuz é bem concebida, necessitando de pequenos ajustes. Toda produção revela cuidado e profissionalismo.
Ao fim de tudo, fica-se com a certeza de que o teatro já não é uma recomendação médica como o foi na Grécia, nem mais uma cerimônia que unia a pólis. Ainda assim, consegue tocar de meneira indelével aos que se aproximam dele: os que trazem inpune a marca de Dioniso ou os querem comungar com os oficiantes de um rito já desencantado que nos arrasta quando é pleno nas suas constituintes.

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Registro 293: Texto de Fernando de Barros e Silva

O texto de autoria de Fernando de Barros e Silva é exemplar, porque expõe de forma direta e clara o obscurantismo da universidade que expulsa a aluna e avaliza, em nome de princípios pedagógicos, a barbárie. A que ponto nós chegamos?! As justificativas atestam a perversidade de uma instituição que deveria cuidar da formação de estudantes, futuros profissionais e quiçá dirigentes da nação. No entanto, o que ela faz contradiz os princípios que regem o universo da educação. Fascistas! É o que se pode dizer deles. Fosse eu pai de uma filha pediria sua transferência imediata.

Os linchadores da Unib
A notícia da expulsão de Geisy Arruda pela Uniban é estarrecedora. O informe divulgado ontem pela direção da universidade, por meio do qual a aluna ficou sabendo da decisão, é um panfleto obscurantista que requer análise. Ele transforma a incitação ao estupro de uma jovem acossada na universidade por algumas centenas de marmanjos em "reação coletiva de defesa do ambiente escolar".

Eis o que conclui a "sindicância" da Uniban: "Foi constatado que a atitude provocativa da aluna buscou chamar a atenção para si por conta de gestos e modos de se expressar, o que resultou numa reação coletiva de defesa do ambiente escolar". Geisy, diz a nota, ensejou "de forma explícita os apelos dos alunos" e foi expulsa por "flagrante desrespeito aos princípios éticos, à dignidade acadêmica e à moralidade". O título do informe agrega ao conteúdo um toque de humor negro: "A educação se faz com atitude e não com complacência".
De que educação falam esses farsantes? Devemos chamar essa fábrica de açougueiros de instituição de ensino? Que princípio ético ou dignidade acadêmica podem sobreviver a uma escola que pune a vítima humilhada para respaldar a brutalidade e a covardia de uma turba excitada com a própria fúria?
Como se sentirão agora as garotas que estudam na Uniban? Estarão os rapazes liberados pela direção a agir sempre assim em defesa do "ambiente escolar"?
As cenas são conhecidas: "Pu-ta!, pu-ta!", "vamos estuprar!", "solta ela, professor!". Um aluno chutou a maçaneta da porta da sala em que a moça estava encurralada; outros tentaram colocar o celular entre suas pernas para fotografá-la.
A Uniban invoca um zelo pedagógico que não tem para satisfazer a vontade fascista da maioria e preservar os negócios. Com sua decisão, ela deu chancela institucional aos atos de barbárie praticados em suas dependências. Mais do que isso: ao linchar Geisy, a universidade consuma o serviço que os alunos haviam deixado pela metade.
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Folha de São Paulo, edição de 9 de novembro de 2009

domingo, 8 de novembro de 2009

Regsitro 292: Lá se foi Anselmo Duarte

Lembro-me bem quando vi o filme de Anselmo Duarte, O Pagador de Promessas, exibido no Cine Madrid em Feira de Santana, Bahia. Conhecia o ator dos filmes da Atlântida, exibidos no Cine Teatro Cliper, de propriedade de meu pai, na cidade de Ipirá.
Ver O Pagador de Promessas foi (é) uma experiência marcante. A atmosfera do filme, as interpretações, a forma como o cineasta capta Salvador e seu arredores, o desenvolvimento do roteiro e a estrutura narrativa clássica prenderam a atenção do garoto que aos 12 anos tinha o cinema como a sua maior diversão. Era o meu brinquedo preferido, capturado que fui desde os seis anos, quando era levado às matinês no cinema onde passei parte de minha infância.
Anos mais tarde, me dei conta da polêmica desencadeada pelos cineastas ligados ao ciclo que ficou conhecido como Cinema Novo, críticos contundentes do filme. Consideravam a obra esquemática, acadêmica, conservadora nas suas constituintes. Não aceitavam o fato do filme ter recebido a Palma de Ouro no Festival de Cannes (1962). Por falar em premiação, a lista de láureas concedidas ao filme O Pagador de Promessas, aos seus atores e técnicos é imensa. Para quem se interessar em conferir, indico o ótimo Dicionário de Filmes Brasileiros de autoria de Antônio Leão da Silva Neto (não é meu parente).
No tempo da minha adolescência, eu não me interessava por essa querela, ainda hoje não sei se isso me interessa. O que importava é que o mesmo impacto causado em mim pelo filme de Anselmo Duarte, foi o mesmo causado por Barravento (1961), Porto das Caixas (1962), Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964), Vidas Secas (1963), entre outros expoentes da cinematografia tupinquim. É certo que ao longo daquele tempo, fui percebendo as diferenças que regiam a gramática dos diretores que se opunham ao filme de Anselmo Duarte, mas isso não mudou em nenhum momento a força de comunicação do seu filme em mim.
Revi O Pagador de Promessas inúmeras vezes. Em todas elas, constatei a presença dessa qualidade que torna alguns filmes memoráveis. Mesmo com outros olhos, os já cansados de tantas imagens e tantas estéticas, pude retirar da obra um leitura renovada, um aspecto não percebido, um detalhe perdido. Em meio a tudo isso, a força da primeira impressão a pulsar diante das cenas revisitadas.
O adolescente ensimesmado que residia na mesma rua do Cine Madrid, não imaginava que um dia estaria em um set de filmagem juntamente com Anselmo Duarte e fazendo um personagem que era marido da personagem de Ilka Soares. Tal acontecimento, devo a Djalma Limongi Batista, que me escolheu para o pequeno papel em seu longa Brasa Adormecida (1986). Filmado em uma belíssima fazenda no interior de São Paulo, o longa reunia um elenco numeroso e Anselmo Duarte marcava com sua experiência e passado o filme e, com histórias, os longos e às vezes entediantes intervalos das filmagens. Enquanto eu ouvia seus casos, lembrava-me do Cine Teatro Cliper onde vi Tico-Tico no Fubá, Absolutamente Certo e outros filmes que a memória não dá conta.
Fui espectador de Vereda da Salvação, o belo filme que fez depois do sucesso de O Pagador de Promessas. Rejeitado pelo público, raramente é exibido. Quem sabe agora, depois de sua morte, façam uma retrospectiva dos seus trabalhos como ator e diretor. Vê-lo em O Caso dos Irmãos Naves de Luiz Sérgio Person, é tomar conhecimento de uma ator com possibilidades interpretativas que não se restrigem ao trabalho do galã que foi.
Aplausos para Anselmo Duarte.

terça-feira, 3 de novembro de 2009

Registro:291: Não deixe de ler

O texto de João Pereira Coutinho foi publicado em A Folha de S. Paulo, edição de 3 de novembro de 2009. Leia. Vale a pena.

Temor e tremor

JOÃO PEREIRA COUTINHO

ALMOÇO COM um colega de trabalho no centro de Lisboa. Subitamente, o celular dele dá sinais de vida. Ele atende. Reparo que fica pálido. Levanta-se, grita pelo celular um "já-estou-a-caminho" que me faz levantar também e sai do restaurante. Pago a conta, entro no carro com ele. Temo o pior: um familiar atropelado, sequestrado, assassinado.
Falso alarme: o filho, uma criança com sete anos, apresentou sintomas de febre no colégio. E dores de cabeça. E alguns vômitos. As salas de aula foram imediatamente evacuadas, e a criança, aterrorizada com os procedimentos, foi isolada em compartimento à parte, onde só se entra com máscaras e, imagino, uma daquelas vestimentas que os astronautas usam na superfície lunar. "A professora suspeita de gripe A", diz-me ele, com a voz rouca, a ameaçar pranto.
Chegamos ao colégio, ele sai do carro, corre para a sala em que está o filho. Antes de entrar no leprosário, entregam-lhe uma máscara. Ele põe a máscara, agarra a criança -que, entretanto, adormeceu de tanto chorar- e a leva para o carro. Mas pergunta primeiro: "João, preferes ir de táxi para não haver perigo de contágio?".
É nesses momentos que uma pessoa relembra os pensamentos estoicos de Marco Aurélio e responde: "Não é preciso. Eu vou sobreviver".
A criança dorme. O pai, ainda de máscara, ameaça não dormir nas próximas noites. E eu, sem máscara (mas com a úlcera dilatada), medito em silêncio respeitoso. Por que motivo o mundo enlouqueceu à minha volta?
A resposta é mais sinistra do que imaginam. Todos os anos, a gripe sazonal ataca com ferocidade. O vírus, que potencia outras complicações de saúde, mata meio milhão de pessoas no mundo inteiro. Um verdadeiro massacre que, estranhamente, não faz manchetes nos jornais como a gripe A. Motivos?
A resposta mais evidente seria dizer que a gripe A é incomparavelmente mais mortífera do que a gripe sazonal que nos visita todos os anos.
Infelizmente, a resposta estaria errada: a julgar pelo número de vítimas no hemisfério Sul, onde o inverno já veio e já foi, as vítimas da gripe A foram bastante inferiores às vítimas anuais da gripe sazonal.
Só na Austrália, informa a edição corrente da revista "The Atlantic", morreram mil pessoas. Todos os anos, morrem na Austrália 3.000 com a gripe normal.
Se assim é, repito, como explicar a histeria?
Com uma única palavra: juventude. Afirmei que a gripe sazonal mata meio milhão de pessoas todos os anos. Mas essas 500 mil almas são, na esmagadora maioria dos casos, velhos e, é claro, doentes crônicos, tudo gente que não entra na contabilidade midiática. Velhos e doentes são, por assim dizer, "dispensáveis".
A gripe A altera o cenário ao atacar e, por vezes, matar gente saudável e jovem. As preocupações médicas são compreensíveis e respeitáveis: uma pandemia de gripe A seria dramática. Mas a histeria global é sobretudo ideológica, não médica: ela explica-se pelo simples fato de a gripe A não respeitar a "saúde" e a "juventude", os dois únicos deuses que o mundo moderno respeita e louva com verdadeiro fervor pagão.
Se a gripe A se limitasse ao seu trabalho habitual, ceifando apenas velhos e doentes, não haveria um espirro nos jornais. E a criança? A criança sobreviveu.
Desde logo porque não era gripe, muito menos a temível A. "Provavelmente foi uma virose", disse-me o pai, dias depois, aliviado. Sorri. "Virose" é a palavra favorita dos médicos para explicarem o que não conseguem explicar. Mas depois acrescentou: "Seja como for, vou vacinar a família inteira contra a gripe A. Nunca se sabe".
Precisamente: nunca se sabe. A frase, aliás, resume o estado da arte sobre o assunto. No referido número da revista "The Atlantic", alguns especialistas mundiais levantaram dúvidas sobre a eficácia da vacinação. Um exemplo: em 2004, houve uma quebra de 40% na produção da vacina. Paradoxalmente, o índice de mortalidade desse ano ficou rigorosamente na mesma.
Pior: em 1989, apenas 15% da população americana e canadense acima dos 65 anos optava pela vacina; hoje, a percentagem subiu para os 65%. Paradoxalmente, o número de mortos também subiu.
Preferi não falar mais sobre o assunto. Ainda a recuperar do primeiro susto, talvez o meu colega não se recuperasse de um segundo. E para quê? Se a vacina traz segurança, ou uma ilusão de segurança, a verdade será sempre um luxo a que não nos podemos permitir.

sábado, 31 de outubro de 2009

Registro 290: Biblioteca Osmar Rodrigues Cruz

O Instituto Osmar Rodrigues Cruz, uma iniciativa de sua filha, a professora Maria Eugênia Rodrigues Cruz, companheira de elenco na montagem de A Falecida dirigida por Osmar para o Teatro Popular do Sesi, coloca na rede a Biblioteca Virtual Osmar Rodrigues Cruz, com o objetivo de divulgar o acervo de milhares de livros sobre teatro que o diretor organizou ao longo de sua vida.
Através do portal, em fase de testes, os interessado terão acesso aos livros e revistas que serão digitalizados. Tal iniciativa deve ser apoiada por todos, pois significa um passo no sentido de tornar público uma biblioteca particular contendo obras raras, de grande importância para os pesquisadores e estudiosos do teatro. Somente os amigos mais íntimos de Osmar Rodrigues Cruz tiveram contato com a biblioteca, agora aos cuidados de Maria Eugênia. Mas iniciativa abre essa possibilidade para muitos. O gesto de Maria Eugênia mostra a compreensão que ela tem desse acervo e da necessidade de socializá-lo, visto que o meio encontrado para sua divulgação tende a se expandir permitindo o acesso a todos.
Ao registrar esse acontecimento, sinto-me honrado pelo convite feito por Maria Eugênia, para que eu participasse da diretoria do Instituto.
Para quem quiser visitar o portal é só acessar o endereço abaixo.

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

sábado, 17 de outubro de 2009

Registro 288: Importante texto de Antonio Cícero

ANTONIO CÍCERO

O islã e os direitos humanos


Quanto mais uma ideologia se pretender superior à crítica, tanto mais merece crítica



ATÉ POUCO tempo, o Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas (CDH), criado há três anos, encontrava-se inteiramente controlado por Estados membros da Organização da Conferência Islâmica. Infinitamente mais preocupados em blindar sua religião contra qualquer crítica do que em proteger os direitos humanos dos seus cidadãos, esses Estados conseguiam, ano após ano, passar resoluções de condenação à "difamação de religiões".
Na prática isso significava endossar os atentados constantes de diversos Estados contra o direito humano fundamental da liberdade de expressão. Assim, a crítica a determinadas práticas de fundo religioso -como a execução de apóstatas e homossexuais, a clitorectomia, a lapidação de adúlteras ou a amputação das mãos de ladrões, por exemplo- podia ser enquadrada como "difamação de religiões". Também a perseguição de hereges, de membros de religiões minoritárias ou de ateus pode ser justificada através dessa noção. Em suma, ao condenar a "difamação de religiões", o CDH, por um lado, racionalizava exatamente o desrespeito aos direitos humanos e, por outro lado, inibia qualquer crítica a esse desrespeito: violando, desse modo, o direito humano fundamental à liberdade de opinião e expressão.
Na verdade, os direitos humanos são direitos de seres humanos individuais, face ao Estado, às igrejas e, de maneira geral, a todas as instituições e coletividades. Por isso, à medida que qualquer sistema de crenças e comportamentos tradicionais seja secular, seja religioso sirva para racionalizar o desrespeito aos direitos dos indivíduos, ele deve ser criticado por violar os direitos humanos. Quanto mais uma ideologia secular ou religiosa se pretender superior à crítica, tanto mais, por isso mesmo, merece crítica. Nada mais absurdo do que tentar converter os direitos humanos no seu oposto, tomando-os como os direitos das religiões face aos -ou melhor, contra os- seres humanos.
Na era Bush, os Estados Unidos, desprezando tanto as Nações Unidas quanto os direitos humanos -pisoteados, por exemplo, em Guatánamo- desdenhavam participar do CDH. Com isso, abandonavam-no, na prática, à Organização da Conferência Islâmica. Neste ano, porém, a secretária de Estado Hillary Clinton anunciou que os Estados Unidos, coerentes com a rejeição da política arrogantemente unilateral de Bush, haviam decidido participar do Conselho, com a esperança de torná-lo melhor. De fato, deve-se dizer que eles conseguiram isso, em certa medida.
Ainda em 27 de março, antes da entrada dos Estados Unidos no Conselho, este passou mais uma resolução de condenação à "difamação de religiões". No dia 2 do corrente mês porém, após intensas negociações em Genebra, os Estados Unidos conseguiram chegar a um compromisso com o Egito, por meio do qual foi tomada uma nova resolução da qual já não consta essa noção.
Isso nos lembra, aliás, de que foi no Egito que, em junho, ante os estudantes e professores da Universidade do Cairo, Barack Obama teve a coragem de declarar que o negacionismo do Holocausto é algo "infundado, ignorante e odioso". Embora a nova resolução represente um progresso considerável -que foi devidamente saudado como tal pelas mais importantes organizações internacionais que defendem a livre expressão, tais como a "Artigo 19"- a verdade é que ainda há um longo caminho a percorrer.
É que, embora já não se refira à "difamação de religiões", a nova resolução ainda condena tanto o uso de "estereótipos negativos raciais e religiosos" quanto qualquer defesa de "ódio religioso que constitua incitação à discriminação, hostilidade ou violência". Isso deu margem, por exemplo, a que o paquistanês Zamir Akram, falando em nome da Organização da Conferência Islâmica, condenasse o uso de "estereótipos negativos" não somente em relação a indivíduos mas a sistemas de crenças.
Falando pela União Europeia, o francês Jean-Baptiste Mattei afirmou então que "a lei de direitos humanos não protege nem deve proteger sistemas de crenças. Logo, o que foi dito sobre estereótipos só se aplica a estereótipos de indivíduos, não de ideologias, religiões ou valores abstratos.
A União Europeia rejeita e continuará a rejeitar o conceito de difamação de religiões e também rejeita o abuso de religiões ou crenças para a incitação ao ódio. [...] Os Estados não devem tentar interferir no trabalho de jornalistas e devem permitir a independência editorial da mídia".
Não deixa de ser bom que algo se mova até mesmo lá, onde nada parecia acontecer.
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Faço o registro do texto publicado na edição do jornal Folha de S. Paulo (17.10.2009) por concordar com ele. Não tenho nenhuma dúvida com relação a seus argumentos e eles podem ser estendidos ao nosso país, tendo em vista os absurdos cometidos em nome das religiões e de Deus. Os abusos cometidos em nome de uma crença seja ela religiosa ou política não se justificam. Acima desses postulados ditatoriais ou ignorantes estão os direitos da pessoa. Precisamos ficar alertas...

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Registro 287: Parabéns, Fernanda Montenegro

O texto que transcrevo (Folha de S. Paulo, 16.10.2009), de autoria de Sábato Magaldi é exemplar. Expoente entre os melhores crítico do teatro brasileiro, Magaldi sabe expor com sensibilidade os passos de Fernanda Montenegro sobre o palco. Junto-me ao crítico para homenagear a grande atriz, que tem brindado o público com sensíveis interpretações. Infelizmente, não vi todas as criações de Fernanda Montenegro, mas tive o prazer de vê-la em Seria cômico se não fosse trágico, sob a direção de Celso Nunes; ri muito ao apreciar seu trabalho em É... de Millôr Fernandes. Em Da Gaivota, uma leitura de Daniela Thomas para o clássico de Tchecov, na sessão que vi, a atriz não estava nos seus melhores dias, mesmo assim deixava uma forte impressão ao fazer Arkádina. Nos filmes, A Falecida, Tudo Bem e Central do Brasil, a atriz mostra o que sabe e explora as personagens de forma densa, compreendendo-as por dentro. Na televisão, fez personagens maravilhosos porque soube emprestar o seu talento sem deixar se abater pela mediocridade que às vezes acompanha a produção televisiva.

Vida longa à atriz!

Montenegro é valor absoluto do teatro

Atriz, que completa 80 anos hoje, une talento espontâneo à capacidade de vivenciar plenamente a personagem

SÁBATO MAGALDI

O moderno teatro brasileiro é pródigo em grandes atrizes. Mencioná-las corre o risco de levar a um esquecimento, por certo imperdoável. Razão suficiente para citar apenas Fernanda Montenegro, cujo aniversário se está comemorando. Já há muitas temporadas ela é considerada grande atriz.
Sustenta esse conceito a soma de numerosos atributos: a capacidade de vivenciar plenamente a personagem, o domínio dos meios para alcançar os desejados efeitos, a inteligência a fim de manter a adesão do público, o talento espontâneo para transmitir drama e comédia. Mérito especial vem de que ela não precisou cursar uma escola, a não ser a de aproveitar a companhia da grande atriz Henriette Morineau, outro monstro sagrado que tanto enobreceu o teatro brasileiro.
Certamente, Fernanda soube inspirar-se na talentosa atriz francesa, de técnica admirável, que valorizava o uso da palavra. Cabe lembrar que Fernanda, vinda a São Paulo do Rio de Janeiro, participou do elenco do Teatro Popular de Arte (Companhia Maria Della Costa), de proposta semelhante à do Teatro Brasileiro de Comédia. No palco da rua Paim, ela foi, em 1955, protagonista de "A Moratória", que lançou Jorge Andrade como um dos importantes dramaturgos brasileiros. E, no TBC, ela viveu a personagem principal de "Vestir os Nus", texto de Pirandello.
Fase brilhante da carreira de Fernanda Montenegro foi também quando atuou no Teatro dos Sete. O conjunto encenou em 1959, no Municipal do Rio de Janeiro, "O Mambembe", obra-prima do nosso clássico Artur Azevedo. E, no Ginástico daquela cidade, Fernanda viveu Selminha, da peça "Beijo no Asfalto", escrita por Nelson Rodrigues a pedido dela. Os espectadores se impressionavam, entre outros momentos, com o vigor da cena em que a atriz defendia a virilidade do marido.
Fernanda Montenegro, depois de extinto o Teatro dos Sete, se fez empresária dos próprios espetáculos, realizados por Fernando Torres. Como era natural num sistema de produção do gênero, alternaram-se peças exigentes e textos comerciais. O que acontecia na tradição dos palcos britânico, francês e norte-americano. A qualidade literária pouco importa: o teatro é criação definida pela presença física do ator, e grande ator pode realizar melhor um espetáculo com uma obra medíocre do que um grande texto desempenhado por um ator fraco. Sem o sopro de Fernanda Montenegro, várias peças pouco significariam.
Atriz exemplar de teatro, monstro sagrado, no pleno sentido que tem a expressão, Fernanda Montenegro faz o efêmero do desempenho se igualar à perenidade de qualquer outra arte. Fernanda Montenegro é um dos valores absolutos do nosso palco.


SÁBATO MAGALDI é teórico, crítico e professor de teatro; escreveu "Panorama do Teatro Brasileiro" (1962) e "Moderna Dramaturgia Brasileira" (1998), entre outros

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Registro 286: Depoimento IX

O jornal O Estado de S. Paulo em seu Caderno 2 - Cultura - sempre aos domingos - apresenta um espaço denominado Antologia Pessoal, no qual profissionais das artes dão o seu depoimento sobre assuntos de sua área. As perguntas não variam, são sempre as mesmas. Ao apropriar-me da idéia, acrescentei uma pergunta e reformulei algumas; basicamente são as mesmas do jornal.Assim, convido artistas baianos ou residentes em Salvador para deixar o seu depoimento no blog Cenadiária. Cada participante indicará um artista para que se forme uma rede de registros e opiniões. Semanalmente, a Cenadiária vai trazer uma personalidade do teatro baiano para o deleito do leitor. Divirta-se.

Lelo Filho, ator, um dos responsáveis pelo grande sucesso do teatro baiano A Bofetada, espetáculo que completou 21 anos em cartaz (2009) e cativa o público por onde passa.

1 – Que atores ou atrizes cujo trabalho em teatro você acompanha?
Admiro muita gente daqui e pelo Brasil afora. O elenco que divide cena comigo em A Bofetada é muito talentoso. Não poderia deixar de citar ainda, Rita Assemany, Yumara Rodrigues, Nanini, Wagner Moura, Chico Anísio, Fernandona, Fernandinha, Marieta e recentemente passei a admirar muito o trabalho e a versatilidade de Andréa Beltrão em cena. E o maior ator de todos os tempos: Paulo Gracindo. É sempre muito bom assisti-lo em imagens.

2 – Que atores ou atrizes de cinema compõem a sua galeria de favoritos?
Jack Lemon é pra sempre. Grande Otelo em Macunaíma e nas comédias da Atlântida é inesquecível. Marília em “Pixote”, Fernandona em “Eles não usam black tie”, Beth Midler em “A Rosa”. Meryl Streep e Daiane Wiest em vários...

3 – Qual diretor de teatro cujo trabalho faz você retornar ao teatro?
Luiz Marfuz e João Falcão.

4 – Dê exemplo de um criador teatral muito bom, mas injustiçado.
É estranho ver o interesse que a mídia e o jornalismo local passaram a ter pelo trabalho de atores baianos que hoje brilham na telinha e na telona. Não me lembro deles terem sido tão festejados quando atuavam, e já eram bons em nossos palcos.

5 – Cite uma criação teatral surpreendente e pela qual você não dava nada.
Assisti Regina Casé em “Nardja Zulpério” e achei que, no máximo, iria ser bacana. Mas me surpreendi e gostei tanto, que acabei voltando pra rever. Era muiiito bom!

6 – A cena baiano-brasileira tem alguns momentos teatrais antológicos. Cite algumas que marcaram sua vida.
Entre o final dos anos 70 e início dos 80, assisti a algumas montagens que muito me ajudaram a decidir pela minha profissão: “Língua de Fogo”, dirigida por Luiz Marfuz, “Macbeth” dirigida por Márcio Meirelles, “Dias felizes” com Yumara e Harildo na Escola de Teatro, dentre muitos outros.

7 – Que encenação lhe fez mal, de tão perturbadora?
As interpretações de Fernanda Montenegro em “Lágrimas Amargas de Petra Von Kant”, de Matheus Nachtergaele em “O livro de Jó” , Jessica Lange no palco como Blanche em “Um bonde chamado desejo”, Walderez de Barros em “Max” e Marília Pêra em “Brincando em cima daquilo” foram arrebatadoras. Montagens e atuações marcantes na minha vida pessoal e artística.

8 – Que espetáculo teatral mais o fez pensar?
“O Livro de Jó”, pelas interpretações e pela temática.

9 – Comédia é um gênero de segunda?
Ninguém vive sem humor. Até quem torce o nariz pra comédia. O riso é fundamental, assim como a comédia, em todas as suas vertentes.

10 – Cite uma peça difícil, mas significativa.
A obra de Nelson Rodrigues é maravilhosa, mas também é complexa. Fui Edmundo em “Album de Família” e acho um dos textos mais difíceis que já li.

11 – Cite uma encenação que imagina ter sido memorável e você não viu.
Quis muito ter visto “Os sete afluentes do Rio Ota”. Ouvi maravilhas sobre o espetáculo.

12 – Uma encenação difícil, mas inesquecível.
“O Pai”, de Strindberg e dirigida por Márcio Meirelles.

13 – Que texto(s) escrito(s) nos últimos dez anos merecia um lugar na história do teatro brasileiro?
Espero que “Siricotico”, ainda inédito, venha a merecer! Será a nova montagem da Cia Baiana de Patifaria.

14 – Qual o texto dramático clássico brasileiro, de qualquer tempo, você recomendaria encenações constantes?
Não assisti, mas tenho a trilha sonora de “Gota D’Água”, com Bibi Ferreira cantando e interpretando alguns textos do espetáculo. Queria muito que fosse remontado.

15 – Cite um(a) autor(a) sempre ausente dos cânones que merece seu aplauso?
Vinnicius Morais, co-autor de “Siricotico” e autor de textos divertidíssimos e que são a cara do nosso povo. Com certeza será reconhecido pelo público como um jovem e talentoso autor.

18 – Que montagem (ou ator, autor, diretor, cenógrafo, figurinista, iluminador) festejado pela crítica você detestou?
Assistir a mais de uma montagem de Denise Stoklos e Gerald Thomas me deu a sensação de déjà vu. A primeira você não esquece, as outras você sai com a sensação de que já assistiu. As encenações parecem reprise.

19 – E que montagem (ou ator, diretor, autor) demolida por críticos você gostou?
Não me recordo.

20 – Qual peça e personagem gostaria de fazer? Você pode citar três.
Um dos personagens de Beckett, especialmente de “Fim de Jogo” e “Esperando Godot”. Gostaria de voltar a fazer um texto de Nelson Rodrigues.

21 – Que virtude você mais preza no teatro de qualidade?
A comunicação. Seja no drama, na comédia ou na tragédia. Não imagino teatro que não se comunique, que dialogue com a platéia, que diga alguma coisa.

22 – O que mais incomoda você no mau teatro?
Não gosto da pretensão. Principalmente se for de um teatro mal realizado.

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Registro 285: Monólogos

Na dramaturgia, seja ela nacional ou internacional, encontram-se belas e inesquecíveis peças, tanto por suas qualidade formais quanto por seu conteúdo que demonstram para nós mesmos o que somos. Penso que conteúdo e forma se completam. Mas esse registro não tem como objetivo entrar em tal discussão. O que pretendo ressaltar aqui são alguns monólogos que me tocam, aqueles que não consigo esquecer. Vez em quando retorno às peças esperando o momento em que o monólogo se apresenta. Outras vezes leio somente o trecho e me dou por satisfeito. Essa leituras desencadeiam em mim uma série de sentimentos e reflexões.

Alguns desses monólogos que passo a transcrever já ouvi na voz de de intérpretes em encenações ótimas, boas e ruins. Mas isso não vem ao caso. Ou melhor, as ruins eu esqueci. No entanto o texto permanece, o texto escrito. Outros monólogos, tomei conhecimento pela leitura da peça. Eles serão publicados sem a preocupação didática. Portanto, não haverá coerência como relação aos genêros nem ao tempo histórico nem a estética que a peça se filia. A escolha é subjetiva; surge pelo avivamento da memória ou porque, repentinamente, o texto se avulta na confusão das estantes e o olho é chamado a vê-lo.

Os monólogos que abrem o registro fazem parte da peça Tio Vania de Anton Tchecov (Editora Veredas, 1994), escrita em 1897. Um é de Astrov, no primeiro ato. O outro é de Sonia no quatro e último ato da peça .

  • VOINITSKII (rindo) Bravo, bravo! Tudo isso é encantador, mas nada convincente, portanto (a Astrov) nos permita, amigo, que continuemos usando madeira para aquecer nossas estufas e construir nossos celeiros.
  • ASTROV Você poderia aquecer a estufa com turfa e construir o celeiro com pedras. Está bem, que seja, você pode cortar a árvore quando precisar... mas para que destruir as florestas? As florestas russas rangem sob os golpes de machado, milhões de árvores são derrubadas, os lares dos animais selvagens e dos pássaros são revirados, os rios se esgotam e secam, desaparecem para sempre as paisagens maravilhosas... somente porque não passa pela cabeça do homem preguiçoso dobrar as pernas e catar a lenha no chão. (A Ielena Andréievna.) Não tenho razão minha senhora? É um bárbaro insensato aquele que queima na estufa a beleza, destrói aquilo que somos incapazes de criar. O homem foi dotado de juízo e força criadora para que multiplicasse aquilo que lhe foi entregue, mas até agora nada criou, apenas destruiu. A cada dia as florestas minguam mais e mais, os rios se esgotam, a vida selvagem se extingue, o clima fica mais adverso e a terra cada vez mais se torna pobre e feia. (A Voinitskii.) Seu olhar é irônico e acha que eu estou falando besteiras... Talvez haja, de fato, algo de excêntrico nisso tudo, mas quando passo pelos bosques dos camponeses que salvei da destruição, ou quando ouço o sussurrar do bosque jovem que plantei com as próprias mãos, então sei que o clima depende um pouco de mim também, e se dentro de mil anos o homem for feliz, então eu também contribuí com uma pequena parcela para isso. Quando planto uma muda de bétula e mais tarde a vejo verdejante, agitando-se ao vento, minha alma se enche de orgulho e eu... (Percebe o criado, que lhe traz um copinho de vodca numa bandeja.) Mas... (Bebe.) Tenho de ir. Afinal de contas, tudo isso não passa de excentricidade. Meus respeitos! (Parte em direção à casa.)
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  • VOINITSKII (Sonia, afagando-lhe os cabelos com uma das mãos.) Que peso sinto no peito, criança querida! Oh, se soubesse que peso!
  • SONIA O que se pode fazer? Viver é preciso! (Pausa.) E nós viveremos, tio Vania, viveremos a longa, longa sequência de dias e de noites. Suportaremos com paciência os golpes do destino; trabalharemos sem descanso pelos outros, agora e na velhice, e quando chegar a nossa hora morreremos em paz, e lá, além do túmulo, diremos que sofremos, choramos, tivemos muitas tristezas, e Deus então se apiedará de nós, e ambos - você e eu, querido titio - conheceremos uma vida maravilhosa, cheia de luz, a alegria nos invadirá, e olharemos com um sorriso emocionado nossa infelicidade de agora - e descansaremos. Tenho fé nisso, titio, creio ardentemente, apaixonadamente... (Ajoelha-se diante dele e apóia a cabeça em seu braço; com a voz cansada.) Descansaremos. (Teleguin toca o violão suavemente.) Descansaremos! Ouviremos os anjos e contemplaremos o céu cravejado de diamantes e veremos que toda a maldade terrestre, todos os sofrimentos, mergulharão na misericórdia que encherá o universo, e nossa vida será tão tranquila, terna e doce quanto uma carícia. Eu creio nisso, eu creio... (Com o lenço enxuga as lágrimas do tio.) Pobre, pobre tio Vania, você está chorando... (Entre lágrimas.) Você não conheceu a alegria em sua vida, mas espere, tio Vania, espere... Descansaremos... (Abraça-o.) Descansaremos! (O guarda-noturno matraqueia. Teleguin toca suavemente. Maria Vasilievana faz uma anotação na margem do folheto; Marina tricota a meia.) Descansaremos! (A cortina desce lentamente.)

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Regsitro 284: O Canto de La Negra

Embora tenha ouvido e muito Mercedes Sosa, da qual tenho um único e deslumbrante disco, Mujeres Argentinas, ouvido pela primeira vez em casa de amigos, lá pelos idos de 70 em São Paulo, não me entusiasmava muito por sua performance. Hoje, depois de sua morte, ouvindo e muito o tal disco, agora CD, antes um bolachão preto de vinil, descubro onde se localizava a minha implicância com suas canções de protesto. Na verdade, o que me irritava não era a cantora e o canto, mas o culto praticado por uma esquerda hipócrita, mas fundamentalista no discurso, que colocava no altar os dogmas entoando as canções de La Negra.
Para essa gente beata, Mercedes Sosa era o máximo, acima do bem e do mal. Não se podia discordar. Devia-se gostar e aplaudir seu canto, ainda que cantasse coisas chatas de se ouvir. Criticá-la era quase um ato reacionário, ofensivo. E embotados, íamos ver os shows, aceitando o que se passava no palco sem questioná-lo. Era assim também com outros artistas, os da MPB. Aconteceia o mesmo com os espetáculos teatrais engajados. Bastava um discurso inflamado avalizava-se a cena como sendo de qualidade...
Repentinamente, tudo se fez claro e só posso dizer que Mercedes Sosa embalou meus dias cantando Gracias a la vida também gravada também por Elis Regina em Falso Brilhante disco derivado do show de mesmo nome. como não conheço a versão da canção por Isabel Parra, que faz arrepiar Luiz Carlos Merten - ver seu blog -, fico com as duas versões das finadas. tanto uma como a outra conseguem tocar fundo as cordas ainda sensíveis de uma coração não tão brejeiro.
Quem ouviu Alfonsina y el mar (Ariel Ramirez e Felix Luna - autores) , faixa número 5 do CD Mujeres Argentinas não esquecerá da voz imensa que ecoou pela América Latina no momento em que o continente era arrasado pelas ditaduras de direita. Espero que esse fantasma desapareça do nosso destino e fique como registro na história e na memória . E espero que o continente não se inflame com as promessas e ensaios de ditaduras de esquerda, cuja versão mais próxima é ânsia bolivarina-populista de se espalhar, como se fosse a solução para as nossa mazelas.
No horizonte descortinado pela voz poderosa da cantora, dando voz aos anseios de liberdade e contribuindo para a construção de uma identidade latino americana, penso que estão inscritos nos seus cantos a afirmação dos direitos do homem acima de qualquer ideologia. Pois que a ideologia, na forma como grande parte da direita e da esquerda pensa, vem carregada de tintas fundamentalistas, tal qual a ação dos religiosos na pós-modernidade. De certos religiosos, para não colocar no mesmo saco aqueles que não fazem da religião uma prisão nem da ideologia um álibi para justificar os meios.
Mercedes Sosa, dizíamos, era a cantora da geração "poncho e conga", canta oito mulheres - Griga Chaquena, Juana Azuardy, Rosarita Vera, Dorotea Bazan, Alfonsina Storni, Manuela Pedraz, Guadalupe Cuenca e Mariquita Sánchez de Thompson - e seu canto emociona porque a voz expressa sentimentos que não se perdem com o tempo nem com a mudança dos ventos. É como ouvir ainda Nara Leão cantando Opinião. Ao escrever esse registro e relembrar o show Falso Brilhante bateu saudades de Miriam Muniz, grande atriz e diretora que virou Elis Regina do avesso e fez surgir uma outra personalidade artística.
A lembrança de uma mulher puxa a lembrança de outras que brilham agora nas minhas recordações, nas fotos, nos vídeos, nos discos e nos livros que registraram a passagem de cada uma sobre a terra. Elas que nos deram tanto, continuam a doar a cada momento que retornamos ao legado deixado de herança.
Aplausos para Mercedes Sosa!

sábado, 12 de setembro de 2009

Registro 283: Lembrança do tempo em que eu era ator

SEU QUEQUÉ

Teleromance dirigido por Edson Braga

TV Cultura - São Paulo - 1982

Raimundo Matos (Seu Quimquim)

e

Regina Dourado (Dona Santinha)


As imagens foram enviadas pelo colega Henrique Lisboa (Taubaté)
que fazia parte do elenco.

sábado, 5 de setembro de 2009

Registro 282: Coisa séria

Gosto da forma como pensa e escreve Clóviss Rossi. Por esse motivo copiei e colei sem pedir autorização.

MAUS COMPANHEIROS

Clóvis Rossi

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que gosta tanto de ditados tidos como populares, bem que poderia prestar atenção ao "diga-me com quem andas e te direi quem és". Se prestasse, teria dito à sua candidata Dilma Rousseff quais ilações podem surgir do fato de ela rezar ao lado do apóstolo Estevam Hernandes e da mulher dele, a bispa Sônia Hernandes, da Igreja Apostólica Renascer em Cristo, que foram presos nos EUA.
Não levavam dólares na cueca, mas escondidos em bolsa, em porta-CD e até numa Bíblia. Se prestasse ainda mais atenção, tomaria cuidado ao receber em dezembro o presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad. Primeiro, porque, ao contrário do que disse Lula logo após a vitória eleitoral de Ahmadinejad, o que houve em seguida não foi uma batalha entre torcidas de futebol, mas a velha repressão pura e dura à oposição.
Até uma agência semioficial de notícias anunciou que um jovem, filho de um clérigo respeitado, morreu na prisão devido a maus tratos (leia-se: tortura). Autoridades não podem ser levianas em comentários sobre questões internacionais.
Ainda mais que o Parlamento iraniano ratificou a indicação de Ahmad Vahidi para ministro da Defesa. Ele é acusado de ser o cérebro por trás do atentado que matou 85 pessoas em uma entidade beneficente judaica de Buenos Aires, em 1994. Vahidi declarou, após a aprovação: "Minha nomeação é uma bofetada decisiva em Israel". Bofetada também na Argentina, cuja presidente, Cristina Fernández de Kirchner, já disse sobre a indicação de Vahidi: "É uma afronta às vítimas". Se é tão grave a Colômbia bombardear um acampamento das Farc em território do Equador -e é muito grave-, por que é menos grave bombardear um centro beneficente em território argentino?

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Clóvissi Rossi escreveu de Londres, publicado em Folha de S. Paulo, 05 de setembro de 2009.

domingo, 23 de agosto de 2009

Registro 281: Impressões

A semana foi de ver arte, a do cinema (Tempos de Paz, direção de Daniel Filho e o delicado Horas de Verão de Olivier Assays) e a do teatro (A Canoa, direção Jacyan Castilho, com o ator Claudio Machado, Uma Vez, Nada Mais, direção Hebe Alves, com as atrizes Maria Menezes e Aicha Marques e Pluft, Fantasminha, direção Susan Kalik, no elenco: Anderson Dy Souza, Angela Reis, Caio Muniz, Francisco Xavier, Hayaldo Copque, Luiz Guimarães, Sérgio Telle, Sunny Mello).
Como faz bem ver objetos de arte tão significativos! Não quero dizer sem defeitos. Todas eles tem os seus problemas, mas no resultado final são belos objetos, obras de arte. O leitor pode fazer objeções: dizer que obra de arte é aquela que em sua totalidade não apresenta nenhuma fissura nem no tema e nem na forma. Os elementos semânticos e sintáticos se organizam, sem que se dê a sobreposição de um sobre o outro. Não discordo. Mas diante do que vi, e tomado pela força que emana desses objetos, deixo de lado os conceitos para me deixar levar por aquilo que cada uma delas fez em mim.

O fato é a arte anima a gente, nos conforta, às vezes nos tira o equilíbrio desassossegando-nos. Falo por mim; a generalização fica por conta do desejo de que todos, homens e mulheres, fossem tocados pelo universo da arte.
Diante da sujeira que rola noutras áreas, o que vai pela arte desse meu Brasil brasileiro diz muito do que esse país poderia ser e não é. Com essa afirmação, não quero dizer que a arte nos redime, purifica, salva. Coitado de quem acredita nisso. No entanto, penso que ela é um forte antídoto contra a barbárie. Nesse sentido, ela produz efeitos. Não faço aqui a defesa acrítica dos artistas. Alguns agem também como os políticos. Alguns são até políticos...
Penso na carta que recebi por e-mail assinada pelo ator Marcelo Prado. De tudo que li e ouvi sobre a política cultural do governo Jacques Wagner foi a que mais me tocou. Some-se a ela, os textos do ator e jornalista Gideon Rosa. Solidarizo-me com os artistas meus companheiros...
Não tenho a mínima vontade de usar o vocábulo, mas ele diz muito e independentemente do jargão que identifica partidários. Eu não sou um homem de partido, mas de um tempo partido, como disse o poeta.
Não me deterei em analisar o que vi. O certo é que saí das sessões carregando uma onda de sentimentos e pensamentos. Mas cabe um pequeno registro sobre cada trabalho que vi:
Tempos de Paz: o cinema quer ser teatro, mas é cinema e dos bons. Dois atores em momento luminoso. Para quem um dia deixou o palco como eu, o filme me coloca diante de dilemas. Alguns resolvidos, outros empurrados para debaixo do tapete.
Horas de Verão: a vida passada a limpo sem melodrama. As emoções pulsam na medida certa.
A Canoa: inventivo exercício de direção, um ator com bastante recursos expressivos necessitando mergulhar mais fundo nas sutilezas das emoções que a partitura corporal lhe exige e que o tema reclama.
Uma Vez, Nada Mais: duas atrizes em plena forma, exercendo o jogo fascinante do teatro e encantando. Uma direção segura e a serviço das intérpretes.
Pluf, Fantasminha: no programa da peça tem uma frase do ator Harildo Déda que diz assim: "O que me impressiona em Maria Clara, é o poder que ela tem de transformar poesia em dramaturgia". A frase diz tanto de maneira tão sintética. O espetáculo tem seus excessos, mas não apela para as facilidades que muitas vezes rondam o teatro para criança.
Se a arte não salva, quem nos salvará de Brasília?