quarta-feira, 2 de março de 2011

Registro 342: Diário da província

O calor, o fim das férias, o caos carnavalesco que se abate sobre Salvador, afastaram-me do blog. Mas venço a morrinha e registro algumas anotações...

A cidade está entregue às baratas ou melhor a quem organiza o carnaval. Os órgãos públicos fecham os olhos aos desmandos, quem manda mesmo são os empresários carnavalescos. Tudo está estragulado e pelo que se vê, o pupulacho vai ficar mais espremido, enquanto os bacanas se esbaldam nos supercamarotes. Os bacanas e os deslumbrados com a "bacanice" dos outros.

O bom gosto na decoração dos camarotes passou longe, mais uma breguice no cenário muito brega. Os anúncios divulgando os artistas são medonhos. Direção de arte não existe, bom fotógrafo pra quê? No ano passado eram as caretas horríveis dos políticos asombrando o nosso cotidiano durante a campanha eleitoral, agora são os cantores, uma enxurrada de desconhecidos, horríveis. Os conhecidos, as ditas superestrelas,  agem como se estivessem acima do bem e do mal.

Outro dia vi num anúncio de empreedimento imobiliário uma frase que chamou minha atenção pelo inusitado. A frase, obviamente, vendia as excelências do empreendimento e estava escrita em português informando sobre os itens do mega edifício, mas repentinamente surgia uma palavra em inglês - garden -, como se nossa maltratada língua não contivesse a palavra adequada, jardim para identificar aquele lugar onde se plantam flores, árvores e que tais. O publicitário deve ser uma jóia de superlativa babaquice. Para ele e os empreendedores, o termo em língua estrangeira da visibilidade ao projeto. Coisa mais jeca!

A mania de nomear edifícios em outra línguas, notadamente inglesa e francesa é uma constante por aqui e pelo Brasil. E como a maioria da população não sabe a pronúncia correta, os nomes se tornam engraçados, quando não uma aberração.

Andei indo ao cinema, mas não vi O Cisne Negro nem O Discurso do Rei. Gosto demasiadamente de Inverno na Alma. Como não vi a primeira versão de Bravura Indômita, o filme dos  dos irmãos Coen me satisfaz plenamente. Fico livre de comparações. Aguardo Poesia.

Po falar em cinema, lá se foi Annie Girardot, atriz francesa, inesquecível em Rocco e Seus Irmãos, a obra-prima de Visconti. Girardot fez tantos filmes, mas sua Nádia no filme do italiano é memorável, como persogem muito bem concebido e interpretado com grandeza pela atriz. Foi-se Jane Russell, a morena estonteante que exalava sensualidade pelos poros. Nos deixou também Carminha Brandão, atriz brasileira que a nova geração não sabe quem é.

Fui até o fim de Biutiful, muito mais pelo ator que pelo filme. Iñárritu perdeu a mão. São tantos os temas em seu filme que é uma overdose de problemas do mundo globalizado e pós-moderno. Talvez uma bula para entender tal mundo ou desentendê-lo de vez. O filme não conseguiu estabelecer nenhuma empatia, portanto não me comoveu nem me faz refletir. Um sessão tediosa, um filme hiperbólico. Em seus outros filmes, o diretor já demonstrava tendência ao exagero, mas o seu colaborador, Arriaga, conseguia conter os excessos, assim penso eu.

Tetro vai bem até certo ponto. A partir  da tal cerimônia de entrega do prêmio na Patagônia, desanda e Carmem Maura, uma atriz excelente está um tanto ridícula no personagem. Além do mais aguentar Vicent Gallo durante duas horas, urgh! Não tenho nenhuma simpatia pelo ator. Na verdade, acho que ele é mais uma personalidade excêntrica, que um ator. Coppola ainda me diz muito, mesmo quando escorrega e pesa a mão. Deve-se prestar atenção em Alden Ehrenreich, uma promessa e uma beleza e tanto. 

Não vi a entrega do Oscar, não aguenta mais tal cerimônia. Basta ler os jornais nos dias seguinte e pronto.

Em casa, vi Dois Destinos, o tocante filme de Valerio Zurlini. O filme é de 1962 e continua inteiro. Revi Histórias Extrodinárias  (1968), baseado em contos de terror de Edgard Allan Poe, direção de Vadim, Malle, Fellini. A história de Vadim perdeu a força. Adquiri para rever  Boccaccio 70 (1962), Moniceli, Fellini, Visconti e De Sica e Ontem, Hoje e Amanhã, de Vittorio De Sica
Hoje, terminei um quadro feito a pedido de uma amiga. Gostei do resultado, faz tempo que não pegava nos pincéis. Isso em meio à preguiça de um verão insuportável.

Fugirei do carnaval, sempre! E olha que sou folião desde criança, afinal sou filho de um pai que era Rei Momo. Mas carnaval selvageria não dá. A minha intuição diz que os níveis de violência vão pro alto.

Conclui as dez sessões de Rofling com Celso Nunes, diretor de teatro e também terapeuta. Uma experiência e tanto. A terapia corporal mexeu positivamente comigo.

Agora planejo fazer os ajustes nos meus planos de curso, esperar a edição do livro que escrevi sobre o ator Harildo Déda e torcer para o outono chegar com promessas de temperaturas mais amenas.

Conclui a leitura de O Poder da Arte, de Simon Schama (Companhia das Letras, 2010). Pode-se discordar da argumentação e dos juízos do autor sobre os artistas que escreve. São oito ensaios sobre as genialidades de Caravaggio, Bernini, Rembrandt,David, Turner, Van Gogh, Picasso e Rotko. Sem erudição presunçosa, Schama nos lança para dentro da obra-vida dos artistas escolhidos. Dentendo-se em analisar alguns dos trabalhos dos mestres com linguagem clara e envolvente, ele aproxima os artistas de nós, pobres mortais. Quem se interessa por arte vai gostar de ler suas 501 páginas e apreciar as belas ilustrações. vale a pena.

Presenteei uma amiga judia e comunista com um oratório de Iemanjá. Ela telefonou contente com o presente feito por mim. Hoje, da parte dela, recebi um postal com a figura de Lenin feita a bico de pena. Minha amiga é uma pessoa interessantíssima: estudou em colégio protestante, sua mãe lhe contava histórias de fadas, cuja figura do príncipe confundia-se com a de Luiz Carlos Prestes. Certa vez confidenciou-me que gostava de ver as meninas vestidas de noiva para a Primeira Comunhão e tinha inveja delas. Uma figura e tanto a minha amiga. Invejável espírito aberto ela tem e me anima a ser da mesma forma.