sexta-feira, 28 de dezembro de 2018

domingo, 11 de novembro de 2018

terça-feira, 21 de agosto de 2018


"As revoluções não levam a lugar nenhum. A única revolução que a humanidade poderia fazer era conseguir que as pessoas se tornassem mais humanas. Não se pode construir o bem com o mal".

Matéi Visniec (dramaturgo romeno radicado na França. Trecho de sua peça "Nina ou a fragilidade das gaivotas empalhadas)


domingo, 19 de agosto de 2018

HOJE É O DIA DO ATOR.


" QUERIA QUE O PALCO FOSSE UMA CORDA ESTICADA ONDE NENHUM INCOMPETENTE OUSASSE CAMINHAR"

GOETHE

sexta-feira, 17 de agosto de 2018

domingo, 12 de agosto de 2018

 Comemorando o dia dos pais,  eu, Eliana e nosso pai Roque. Foto feita em Ipirá, Bahia, provavelmente em 1972 ou 73.

segunda-feira, 9 de julho de 2018

....já não há palavra capaz de comunicar o que não se quer ouvir

                                                                       Bernardo Carvalho

quarta-feira, 19 de outubro de 2016

Registro 465: Lembrando Vinicius de Moraes




Texto publicado no Facebook em 19 de outubro de 2015

Tinha como propósito escrever sobre a decisão da Comissão de Direitos Humanos de proibir a presença de homossexuais em templos evangélicos e católicos. Mais uma insanidade comandada pela tropa nazifundamentalista encastelada na Comissão, por uma conluio entre as forças progressistas (?) e direita mais xiita deste país sem jeito. Um descuido, e a qualquer hora vão obrigar o uso do triângulo rosa na lapela. Assim fica mais fácil apedrejar os indesejados. Mas não vou dar trela a essa gente estúpida que anda com vontade de poder. Vade retro!
Quero falar mesmo é do poeta que faria 100 anos no dia de hoje, o poetinha Vinicius de Moraes, de quem guardo uma lembrança inestimável. O que relato aqui faz parte das minhas memórias, mas contá-lo ele se torna história.
Corria o ano de 1974. Por volta de novembro, fui convidado pelo diretor baiano Álvaro Guimarães para compor o elenco de As Feras, texto de Vinicius de Moraes a ser produzido por sua mulher na época, a atriz Gesse Gessy. Eu acabara de fazer Titus Andronicus, a tragédia de Shakespeare encenada na Escola de Teatro da UFBA sob a direção de José Possi Neto e com planos de residir em São Paulo para fazer carreira como ator. Um sonho acalentado desde criança, quando vi os primeiro filmes no Cine Teatro Cliper em Ipirá, propriedade de meu pai.
Ainda que o papel em As Feras fosse pequeno, eu desejava trabalhar sob a orientação de Álvaro Guimarães e em companhia de um elenco de atores baianos experientes, Jurandir Ferreira, Mário Gadelha, Waldemar Nobre, Fernando Lona, Armindo Bião, entre outros. O elenco feminino contava com Gesse Gessy como protagonista e a competentíssima Sônia dos Humildes. Completavam o elenco, a jovem Hebe Alves, Carlos Nascimento e eu.
A ação de As Feras se passa no Rio de Janeiro num canteiro em construção reunindo operários nordestinos divididos em dois grupos rivais. Por um flashback, o público toma conhecimento dos motivos do desentendimento entre os grupos, causa de desfecho trágico.
Começamos os ensaios, com estreia prevista para meados de janeiro estendendo-se por algumas semanas de fevereiro, num espaço cenográfico criado por Calazans Neto em uma garagem situada à Rua dos Ingleses. Fizemos as primeiras leituras sem que houvesse o ator para o personagem Isaías Grande, o protagonista. O elenco sugeriu nomes, o diretor buscava outros e duas semanas depois, Vinicius de Moraes foi ao ensaio. Ouviu a leitura e ao final, a conversa sobre a falta do ator retornou. Depois de escutar uns e outros, Vinicius surpreende todos nós dizendo que havia um ator para o papel. Fez-se silêncio expectante e ele apontou para mim afirmando que eu faria Isaías Grande.
Se para mim o impacto foi transtornante, para os meus colegas foi como se uma bomba estourasse na sala. Ninguém disse nada, até que eu aleguei não ter a idade para o personagem; que eu era um ator recém-saído da Escola. Usei de outros argumentos, mas não houve jeito. Aceitei a escolha do autor. Terminado o ensaio, tentei convencer Álvaro Guimarães de esquecer tal empreitada. Em vão. Fui para casa. Durante o trajeto, mesmo tempo temeroso, eu me sentia envaidecido. Mas a pergunta fatal rondava. E se eu não desse conta do papel? Conciliar o sono foi uma barra. Ao acordar disse para mim mesmo que agarraria a oportunidade com unhas e dentes.
Na estreia, ao findar o espetáculo, o poeta veio até mim e me abraçou afetivamente elogiando a minha atuação. Soube então que eu dera conta do recado. Ao escrever sobre As Feras, Sostrátes Gentil não poupou elogios ao meu trabalho e aproveitou para comentar o meu desempenho em Titus. Logo depois, passando férias em Salvador, o diretor paulista Emílio Di Biasi comentou meu desempenho para Possi e este revelou que eu estava de viagem marcada para São Paulo com o intuito de fazer teatro. Pronto, ganhei meu passaporte. No final de fevereiro desembarquei em Sampa e tive o maior apoio de Emílio. Ele veio a ser um dos grandes amigos paulistanos.
Sou devedor do poeta. A ele, minha homenagem e gratidão no dia de seu aniversário. Cito Vinicius “Mesmo que as pessoas mudem e suas vidas se reorganizem, os amigos devem ser amigos para sempre, mesmo que não tenham nada em comum, somente compartilhar as mesmas recordações, pois boas lembranças, são marcantes, e o que é marcante nunca se esquece! Uma grande amizade mesmo com o passar do tempo é cultivada assim!’’

sábado, 7 de novembro de 2015

Registro 464: Um pássaro na mão e muitos voando




O pássaro adentrou a sala num voo claudicante. Pensei estar muito assustado. Por fim, ele pousa na moldura de um quadro incorporando-se a paisagem pintada e ficou ali olhando a parede. Achei estranho, tanto a posição quanto a sua quietude. Passado um tempo, deixei a sala sem perturbá-lo, na esperança de que a ave encontrasse a saída.

O tempo passou...

Retornando para a sala, não encontrei o pássaro no lugar onde o havia deixado, mas prestando mais atenção ouvi um barulho de asas. Um barulho aflito. Ainda mais atento, percebi que a ave estava atrás da cortina e presa entre o vidro e a grade pantográfica. Aproximei-me cautelosamente e cuidadosamente retirei-o daquela prisão. Ao entrar em contato com a minha mão e depois de ter alisado a sua cabeça, o pássaro acalmou-se. Fiz a foto e soltei-a pela janela por onde tinha entrara.

Em vez de voar como eu esperava, momentaneamente, ela ficou parada na palma da minha mão, com o se não soubesse o que fazer. Em seguida voou. Pelo bater das asas vi que estava machucada. Insegura, a ave pousou num carro estacionado no outro lado da rua. Fiquei olhando-a preocupado com seu destino. Está é a história do pássaro em minha mão.

segunda-feira, 2 de novembro de 2015

Registro 463: Sobre "Hereges" de Leonardo Padura


"Para ele, vendo sua obra (de Rembrandt), uma coisa ficou evidente: a arte é poder. Só isto, ou especialmente isto: poder. Não para dominar países e transformar a sociedade, para provocar revoluções ou oprimir os outros. É poder para tocar a alma dos homens e, ainda, deixar nela as sementes de seu aprimoramento e felicidade".

O texto foi transcrito de "Hereges", romance do cubano Leonardo Padura. Ao encontrar o parágrafo dentre os muito que gostaria de transcrever, escolhi este por sua dimensão e porque diz aquilo que penso sobre o papel da arte, ontem e hoje.


O livro de Padura é essencialmente sobre a liberdade, o livre arbítrio em qualquer circunstância. Esta proposição, vinda de uma cubano contemporâneo torna-se imensa no que ela tem de real ou diz sobre o real. Três personagens (um judeu, uma garota cubana que é "emo" e um judeu sefardi discípulo do pintor holandês Rembrandt, portanto vivendo no século XVII) lutam pelo direito de escolha independente de mestre, seja ele político, religioso, etc. São 503 páginas lidas com vontade sôfrega, maneira que temos de controlar para saborear o texto, sem que se perca a beleza da escrita e a envolvente ação. 

sexta-feira, 8 de maio de 2015

domingo, 26 de outubro de 2014

Registro 461:Bom teatro para se ver




Faz tempo que não vejo um espetáculo tão inventivo e bem realizado como "E se elas fossem para Moscou", direção de Christiane Jatahy, baseado em "As três Irmãs" de Anton Tchekhov, uma dos acontecimentos do Festival Internacional de Artes Cênicas - Bahia. A mecânica da encenação se dá de maneira orgânica e todas as opções da direção nos levam para o interior da montagem. Não há sobras nos efeitos cênicos construtores de uma teatralidade fortemente marcada por rupturas. Esgarçamentos que se integram de maneira que possamos acompanhar atentamente a ação desencadeada pelas três maravilhosas intérpretes coadjuvadas por atores/técnicos. Tanto eles quanto elas são encarregados juntamente pelos deslocamentos do cenários, dos objetos e da filmagem, bem como da trilha sonora. Ao mesmo tempo em que a cena acontece em tempo real, noutro espaço, outro grupo de espectadores acompanha aquilo que vai sendo registrados pela câmeras. Estes lugares e a interação entre duas linguagens traduzem as preocupações da encenadora, a revelação dos não lugares interiores e dos exteriores. Como no texto "As três irmãs", o desejo de mudança se configura sem que se realize. Moscou, o sonho de uma nova vida, o salto no abismo, se apresenta como uma possibilidade, mas a sua não concretização desencadeia a angústia das personagens dissecadas a cada instante. Ao dizer sobre a angústia não afirmamos ser o espetáculo um mergulho no drama. Como em Tchekhov, a vida se arrata entre grandes e pequenos gestos, ora tensos, ora cômicos. Entre os felizes achados da encenadora ressalto a envolvente festa de aniversário momento em que o público deixa de ser espectador para fazer parte do drama, como convidados da festa da aniversariante Maria (Macha na versão russa) remetendo a princípios do realismo histórico relido sob as lentes da contemporaneidade reveladora de signos que se movem todos na mesma direção. Vale conferir "E se elas fossem para Moscou" um teatro filho do tempo e da história, uma leitura originalíssima de "As três irmãs", demonstração da atualidade do autor, ele que nos legou textos profundamente humanos. "Para Moscou, para Moscou" a fala final do original, ainda que não seja dita em cena, fica ressoando em nossas mentes, E nós que desejamos as nossas idas para Moscou somos empurrados pelo passado e assustados diante da vertigem do futuro...Pra Moscou 

domingo, 31 de agosto de 2014

Registro 460: Um bom programa


CINE-TEATRO ESCOLA
Escola de Teatro - UFBA

http://cineteatroufba.blogspot.com.br/

Abertura, 8 de setembro às 18h
Teatro Martim Gonçalves

sábado, 19 de julho de 2014

Registro 458: Legado de João Ubaldo



Não escreverei sobre João Ubaldo. Seus amigos disseram tudo o que tinham para dizer sobre este escritor que nos deu "Viva o povo brasileiro". Eu quero agradecer ao João. É assim que vou tratá-lo de agora em diante. Valho-me da condição de baiano para tomar tais intimidades com alguém do porte dele. Mas João não era homem de pabulagens (para quem não conhece o vocábulo, segue o que diz o Houaiss: confiança excessiva em si mesmo; fatuidade, presunção,atitude de quem conta bravatas; fanfarrice). Por este motivo tomo confiança.


Mas eu disse inicialmente que não escreveria sobre este autor que vindo de Itaparica, o amor que fica, nos deixou um texto profundamente coerente e crítico sobre as maluquices que rondam a nossa vida aqui na pátria amada, idolatrada, salve, salve.


Em "O correto uso do papel higiênico" (A Tarde, 19.07.2014), ele coloca o dedo na pretensão que setores da sociedade civil, mancomunados com o poder federal em suas diversas instâncias, insistem e, às vezes conseguem, em normatizar a vida com sua leis. E o escritor enumera as que estão em vigor, como a tal leia da palmada, a proibição de venda de doces e outras guloseimas ajuntadas com brindes, entre outras.

Se assim continuarmos, diz o João Ubaldo: "Não parece estar longe o dia em que a maioria das piadas será clandestina e quem contar piadas vai virar um espécie de conspirador, reunido com amigos pelos cantos e suspeitando de estranhos."

E ele segue de maneira humorada apontando os possíveis hábitos, comportamentos e etc. que podem ser regulamentados por lei. Por fim, João conclui:

"Por enquanto, não baixaram normas para os relacionamentos sexuais, mas é prudente verificar se o que vocês andam aprontando está correto e não resultará na cassação de seus direitos de cama, precatem-se".

Nada mais sábio nos deixa o João, amigo de Glauber e de Luiz Carlos Maciel quando este vivia na pensão de Dona Lúcia.

Eu estou com João e também com Jô Soares quando diz:

"Politicamente correto é a coisa mais careta, mais reacionária que tem."

Coitado do povo brasileiro! Também, sem educação, cai em cima dele a coerção. Haja lei!

quinta-feira, 27 de março de 2014

Registro 454: O DIA DO TEATRO

Não é o dia do ator, mas o dia do teatro, 27 de março. Um dia que vai findando, mas nesta hora em que muitos artistas estão no palco, cabe ainda homenagear do Dia do Teatro com o poema de Brecht.


VOCÊS VIERAM FAZER TEATRO?PRA QUE??

Brecht

Vocês vieram fazer teatro. Uma pergunta: para que?
Vocês vieram mostrar ao público o seu talento, então vocês se apresentam como fenômenos…
 Do público, vocês esperam que ele aplauda vigorosamente, arrebatado de seu mundo para vasto universo, provando com vocês a vertigem das grandes alturas e as paixões em seu paroxismo.
 Mas agora uma pergunta: Pra que?
 Lá embaixo, na plateia, uma questão explode:
 obstinadamente  alguns exigem
 que vocês não se limitem  a se exibir
 mas lhe mostrem o mundo.
 De que nos servem, dizem eles,
 Ver sempre como fulano sabe ficar triste
 e beltrano cruel,.
 ou o rei perverso que cicrano interpreta?
 Qual o objetivo dessa eterna exposição de
trejeitos  e convulsões de alguns indivíduos?
 Você, ator, deve,  antes, de qualquer um,
 dominar a arte de observar (…)
E seu aprendizado deve começar entre os homens.
 Que sua primeira escola seja seu lugar de
 trabalho, sua casa, seu quarteirão.
 E a rua, o subúrbio, as lojas.
 E ai observe cada um.
O estranho como se ele fosse conhecido
 e  o conhecido como se fosse estranho (…)
 E observa mal quem de suas observações
 não  sabe o que fazer.
 E ninguém consegue uma visão precisa do homem
 Se ignorar que o homem é o destino do homem (…)
 Assim, vocês podem, atores
 aprendendo e ensinando, por seu trabalho criador,
 intervir em todas as lutas dos homens do seu tempo.
 E também, pela seriedade do estudo e serenidade do conhecimento,
 ajudar, a fazer da experiência

 da luta pelo bem de todos e da justiça, uma paixão

sábado, 8 de março de 2014

453: Sobre o carnaval em SalvaDOR

Comentar o carnaval em Salvador é chover no molhado. Há os que gostam incondicionalmente e não estão nem aí para os desmandos das empresas que visam somente o lucro, cometendo abusos como impedir foliões de beberem a marca da sua cerveja preferida. E tudo isso com o aval do poder público avalizador dos desmandos.

Em nome da rentabilidade da festa, passam por cima de tudo e tudo permanece como "dantes no castelo de Abrantes". A cidade foi alaranjada sobre pressão, uma versão do capitalismo mais selvagem. E a pérola da "sabedoria" ficou por conta do cantor do Pisirico, ao dizer que sua música era uma resposta ao capitalismo. É capaz de virar tese de sociologia. Só rindo! Ah, os antropólogos do lugar também podem orientar teses sobre músicas e comportamentos carnavalescos.

Ninguém precisa ser um estrategista para ver que o circuito Barra-Ondina já não suporta a avalanche de camarotes, postos policiais, banheiros, barracas e outras parafernálias de prejudicam os moradores da região, a maioria ilhada durante mais de uma semana. Famílias, algumas com seus idosos e enfermos, muitas sem condições de sair da cidade são obrigadas a aguentar o mau cheiro, os decibéis dos trios, que de trios-elétricos não nem mais nada. 

As música que fazem sucesso são de uma baixaria atroz. Letras preconceituosas, rebaixam a mulher à condição de objeto. O pior é que muitas não conseguem perceber o teor machista e violento das letras. Não tenho nada contra a festa da carne, carnaval é isso mesmo. Mas ultrapassamos o limite da civilidade. Tudo é de uma grossura extremada. Somente um cérebro de ostra, desejoso do sucesso a qualquer preço faz uma coisa chamada Lepo lepo.

Alguns textos foram escritos sobre a festa. O do jornalista Chico Castro Jr. é muito bom, publicado na edição de 02 de março.. Cito o último parágrafo:

"Mas como um exemplo, deixo uma reflexãozinha rápida e certeira sobre Raiz de Todo Bem, hit de Saulo Fernandes. nada contra o rapaz. Até aprecio sua vibração caymminiana-hipster-telúrica. Mas é que é estranho tanta gente bem informada deslumbrada com a música, como se fosse um prodígio de criatividade. Gente, olha só: em coisa de um minuto, o rapaz consegue rimar "África-iô-iô" (hein?) com "Salvador" e "meu amor". "Fé" com "candomblé". E "Nordeste" com "caba da peste". Precisa mesmo dizer mais?"

E o que dizer da canção  "essa mulher quer montar em cima do meu cavalinho, mas quem dá palmadinha sou eu"? 

Hoje,  8 de maio, o jornal A Tarde publicou três textos sobre o carnaval. Luiz Mott. Walter Queiroz Jr. e Dimitri Ganzelevitch escrevem sobre o carnaval. São visões diferenciadas, cabendo ao leitor apreciá-las criticamente.

O circuito do Campo Grande até a Praça Castro Alves vai sendo morto a cada ano. O circuito já não dá tanta grana.

Chega! Em junho tem mais carnaval. Mas junho não se faz os festejos joaninos? Tolice. Todas as medidas são tomadas nos gabinetes e implantadas de maneira autoritária, não importa o partido no poder. 

terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

Registro 452: Pensamento lúcido e esclarecedor

BRASIL EMBRUTECIDO[1]

Jânio de Freitas

           Um homem espera, sozinho, o ônibus que o levará para casa. Dois carros param diante dele. Os homens que descem o massacram furiosamente com barras de ferro. Até reduzi-lo a um monturo de sangue e carne sem vida. Entram nos carros e vão embora.
           A fúria assassina desses agressores está abaixo da mais primitiva desumanidade. Mais uma briga de torcida, como disse a notícia? "Torcedores do São Paulo agrediram um torcedor do Santos, que morreu." Nem como hipótese.
           Estamos, no Brasil, em um agravamento da brutalidade que não cabe mais nos largos limites do classificável como violência urbana. E não basta dizer que nada é feito contra tal processo. O que se passa, de fato, é que nem sequer o notamos. Convive-se com o agravamento como uma contingência incômoda, em seus momentos mais gritantes, mas natural, meras desordens da desigualdade social.
           Nada a ver com a perversa desigualdade social. O homem massacrado por vestir a camisa do Santos era portador da desigualdade como o são os monstros que vestiam a camisa do São Paulo. Os bandos criminosos que voltaram a digladiar-se em algumas favelas do Rio formaram-se e vivem nas mesmas misérias da desigualdade social.
           O agravamento da brutalidade no Brasil é um processo em si mesmo. E não está só nos territórios da pobreza. A própria incapacidade de percebê-lo é um sintoma do embrutecimento sem distinções sociais, econômicas e culturais. Outros sintomas poderiam ser notados – na deseducação, no rebaixamento individual e coletivo dos costumes, em muito do que os meios de comunicação tomam como modernidade, na política. Até onde a elevação do trato entre suas excelências parecia inexaurível – no Supremo.
           Um homem espera um ônibus que o levará para casa. Onde nunca mais chegará. E onde o esperavam um filho de meses e a mulher. Mais uma banal tragédia para duas pessoas, às vezes são quatro, podem ser sete nas casas dos Amarildos? Sem interesse político para explorá-lo, será só isso mesmo, "mais uma briga de torcida que acaba em morte". É, no entanto, um gigantesco questionamento ao país e à sua perdição cega e surda, embalada pela degeneração de suas "elites", todas elas.
         Briga de torcida? Bandos de criminosos estão agora atacando a polícia, no que assim representa a segunda fase --a da reação-- do programa de UPPs, as Unidades de Polícia Pacificadora cuja instalação em cidadelas do crime restaurou muito do Rio. No país todo, qualquer incidente, inclusive se provocado por bandos criminosos em disputa, leva à interrupção de ruas e estradas, incêndios de ônibus e carros, já também de moradias destinadas à própria pobreza. A internet convoca sem cerimônia e sem restrição para violências, não lhe bastando os brasileiros, também contra os estrangeiros que venham à Copa e até contra times.
           À espera do ônibus ou dentro do carro, branco, negro, pobre, rico: o Brasil se embrutece. E o Brasil nem sequer se nota.



[1] Folha de S. Paulo, 26 de fevereiro de 2014.

domingo, 16 de fevereiro de 2014

Registro 450: Uma medida irresponsável

O governador da Bahia, Jaques Wagner, liberou a venda de bebida alcoólica nos estádios, um comércio suspenso em todos os estádios brasileiros. Parece-me uma atitude movida pelo jogo do capitalismo selvagem, este que destrói valores e princípios em nome do vil metal.

Diante da violência constante das torcidas durante os jogos, causando ferimento e mortes, embriagar torcedores é estimular as agressões. É sabido que o álcool desencadeia uma série de comportamentos, entre eles o instinto agressivo que liberado sem reservas é letal. 

Não se sabe o que ocorreu para que a negociata fosse concluída, mas muita água rolou por debaixo da ponte, ou seja, grana, muita grana. 

Vai aqui o meu protesto.

sábado, 4 de janeiro de 2014

Registro 449: Vamos descendo ladeira abaixo

O texto aqui reproduzido pelo seu valor reflexivo, é de autoria de um artista-pedagogo. Seu olhar crítico nos faz pensar sobre o que estamos fazendo, ou melhor, o que não fazemos. Tenho vivido tal situação na cidade onde vivo, Salvador, no condomínio onde resido e, como artista-pedagogo tento de alguma forma alertar para esta situação. No entanto, constato que a realidade descrita no texto de Zecarlos Andrade não chama a atenção da maioria que aceita tudo como está. Quando comento a situação caótica e desrespeitosa, as palavras perdem-se no vento. O texto é longo, mas vale a pena dar uma lida.



INFELIZ FUNK NOVO

Zecarlos Andrade

Sou santista de coração! Nasci na Gota de Leite, fui batizado no Montserrat, morei na Vila Mathias, mas há muito tempo subi a serra e vim para a capital. Neste final de ano, saindo das atribulações de São Paulo, desci para a Praia Grande em busca de um pouco de paz e sossego à beira mar. Adquiri há pouco tempo um apartamento que, pensava eu, poderia ser meu refúgio neste mundo conturbado.

A primeira e triste constatação foi que, apesar dos esforços diários dos garis, as praias estão imundas. Observo que as pessoas que as usam se incumbem de sujá-las, manifestando uma característica típica da cultura brasileira, que entende o coletivo como algo que não pertence a ninguém. O que deveria ser de todos, dá a impressão de não ter dono.

Crianças comem e jogam displicentemente os detritos na areia, ao lado de seus pais que, indiferentes, não vêm nisso nenhum erro. Afinal é tempo de férias! O lixo se acumula e os banhistas desviam-se de toda a sorte de imundice que vai sendo descartada sobre a areia até que com certa naturalidade, como se isso fosse normal. É evidente que essas crianças, ao fazerem isso e não recebendo de seus pais nenhum tipo de orientação, entendem, entenderão e passarão aos seus filhos a compreensão de que este é um procedimento considerado habitual, no qual o respeito pelas demais pessoas é algo que não merece ser levado em conta.

Essas crianças, desacostumadas a limites, crescem, tornam-se jovens que, com algum dinheiro no bolso e muita sede de poder e de consumo, transformam-se em pequenos transgressores que, ainda assim, aparentemente, não estão fazendo nada errado. Equipam os carros com caixas de som extremamente potentes e saem pelas ruas obrigando os demais cidadãos a se submeterem ao seu gosto musical: o funk.

O equipamento sonoro é uma forma evidente de demonstração de poder, pois quanto mais dinheiro houver em caixa, maior será a tecnologia empregada. Desnecessário dizer a esses jovens que esse capital seria muito mais bem aplicado em livros, cursos ou qualquer outro mecanismo que ampliasse os horizontes do conhecimento. O “funk” abomina o saber e quanto mais estúpido e ignorante for a sua cartilha, maior será o cordão de seguidores que professa a mesma fé.

Não sou retrógrado e nem reacionário. Apenas observo os fatos ao longo da história. O “rock and roll” quando surgiu, ao final da segunda da guerra, encontrou forte reação das camadas mais conservadoras, mas trazia em seu bojo uma semente de renovação que, infelizmente, não se percebe nesse novo ritmo. Percebemos apenas o som repetitivo, hipnotizante, monocórdico, pobre de melodia e se fosse só isso, não seria nada. As letras são uma apologia ao mau-gosto, à vulgaridade, ao sexo praticado descompromissadamente, no qual a parceira é como o salgadinho que se come na praia e, depois de se ter alcançado a satisfação individual, joga-se a embalagem fora, para que seja pisada pelos que passarem depois.

Ainda referindo-me às letras das pseudo-músicas, nota-se que o apelo é 100% sexual, demonstrando de forma evidente que esta questão permanece não resolvida para esses jovens. A mulher é colocada no mais baixo grau da serventia humana; nada mais do que um instrumento do prazer momentâneo, frequentemente chamadas de cadelas, vadias, piranhas e o vocabulário vai baixando o nível, até que se torna inegavelmente chulo. São essas mesmas jovens que mais tarde serão espancadas pelos seus companheiros, acostumados a sujar as praias e a maltratar animais. Costumo perguntar-me se esses jovens ouvem essas músicas em casa, ao lado de seus pais, para saber deles o que pensam a respeito. Acredito que não! Os pais quase não permanecem mais em casa e família é um conceito que está às beiras da extinção. 

Na poesia medíocre do “funk” alusões grosseiras ao ato sexual são corriqueiras. Aquilo que deveria ser um encontro de corpos em harmonia, nada mais é do que um exercício decadente do prazer pelo prazer, no qual o outro nem mesmo se parece com um ser humano e o que interessa mesmo é demonstrar uma artificial superioridade.

Apesar da grosseria nas relações sociais, da banalização do sexo, da degradação geral dos valores, os jovens, que começam comendo salgadinhos e jogando a embalagem na areia, acham que as demais pessoas são tiranamente obrigadas a partilhar das suas mazelas. O som, altíssimo, percorre as ruas, ou estaciona em frente aos prédios, porque afinal a rua é pública e isso quer dizer que não tem dono, concluindo-se portanto que estamos em um território onde tudo é permitido. Estacionam seus veículos a madrugada inteira, pouco importando se há alguém que deseje descansar.

Pobres jovens esses que comem salgadinhos e ouvem funk e que desconhecem que liberdade não é fazer tudo que se tem vontade, mas, sim, poder fazer tudo que a lei permite (E olhem que esse é um conceito iluminista do Século XVIII). Sem dúvida estamos nos embrutecendo e nos aproximando rapidamente da barbárie, se é que já não chegamos lá.

Enquanto ouvem o funk e entorpecem o espírito, os jovens lançam mão da bebidas e outros aditivos, para aumentar o prazer e torná-los ainda mais predispostos a agir por impulsos irracionais que, às vezes, terminam em tragédias. Vi inúmeros desses carros sonoros, depois de longa balada, partirem velozes e furiosos, dirigidos por adolescentes em visível estado de consciência alterado, ou, para que se entenda melhor: bêbados e drogados. Torçamos para que cheguem vivos em casa, se é que possuem uma...

Se cresce a onda de violência na baixada e aumentam os índices de criminalidade, não tenham dúvidas de que isso é uma reação em cadeia e que tudo começa lá atrás quando, inocentemente, em um dia de verão, come-se um salgadinho na praia e joga-se o papel na areia.

Pergunto-me: quais serão os valores que norteiam, ou nortearão a vida dessa geração funkeira, acostumada a impor sua vontade e desprezar a dos que estão à sua volta, entendendo que o mundo gira em torno do seu próprio umbigo. No momento em que esses jovens constatam que a realidade que os cerca é muito mais cruel e consiste em um conjunto de sistemas corruptos que eles mesmos ajudaram a construir é que se atravessa a última barreira da civilidade para ingressar no crime. Só não vê quem não quer que uma coisa leva à outra, considerando-se que a prática arbitrária de impor seu gosto aos demais, esbarra nos limites de uma lei que, apesar de agonizante, ainda existe e, quando cumprida, superlota os pobres presídios deste vasto país.

Quanto exagero pensarão alguns que se dispuserem a ler esta carta até o fim. “São apenas jovens se divertindo, ou melhor “zoando”... Depois isso passa...” – Enganam-se! Passar, passa, como passa tudo nessa vida, mas deixa sequelas cada vez mais profundas que vão, aos poucos, diante dos olhares complacentes, corroendo nossos alicerces de moralidade e minando as possibilidades de termos no futuro uma sociedade mais justa, mais sensata e mais equilibrada.

As autoridades parecem estar com as mãos amarradas e nada podem fazer para coibir esses abusos. Devem entender que diante de outras tantas questões mais graves, essa é de menor importância, sem no entanto perceber que um passo conduz ao outro nesse caminho, que se revela uma escalada em direção ao caos.

Não vejo outra solução para este problema que não passe pelo filtro da educação que, sabidamente, é uma das últimas preocupações dos nossos políticos. A classe que detém o poder, inteligentemente, sabe que se educar o povo, jamais será eleita com tanta facilidade. Deve ser por isso que há gente por aí dizendo que “o funk é a produção cultural de uma camada expressiva da juventude “ – Não caiam nesse engodo, caros leitores. Essa é apenas uma tentativa de fazer média para permanecer no poder, conquistando o voto desses jovens e mantendo-os na ignorância. Em assim sendo, tanto a política quanto as nossas praias continuarão sujas!

sábado, 7 de dezembro de 2013

Registro 447: Mais um texto sobre Fauzi Arap

FAUZI ERA UM ARTISTA PRECISO E TEMPERAMENTAL


Mário Bortolotto


São José do Rio Preto. 1991. Ele havia acabado de assistir ao nosso espetáculo. Era "Inimigos de Classe" do Nigel Williams, uma peça punk sobre um grupo de garotos que expulsam o professor da sala de aula.
Fauzi Arap me encontrou no saguão e disse que um dia ia querer trabalhar comigo.

Ele não precisava se apresentar. Eu sabia quem ele era. Balbuciei timidamente que era só ele chamar. Ele sorriu. E cinco anos depois ele realmente me chamou.

Vim a fazer "Frida Kahlo" sob sua direção, mas ele tinha planos maiores.

Fauzi queria mesmo era que eu interpretasse o Arthur de "Santidade", texto inédito do Zé Vicente que ele deveria ter feito como ator na época que foi censurado.

Ele me escolheu para interpretar o personagem que o impediram de fazer. E, para um ator, ser escolhido pelo Fauzi era mais que um prêmio, era uma espécie de dádiva.

Eu devo a ele o pouco que sei sobre a arte de dirigir atores. Ele era preciso e exato.

Vê-lo dirigindo e entrando no palco e fazendo a cena (ele era um ator formidável que desistiu por não gostar de ficar em evidência como a profissão exige), para que você entendesse como devia ser feita, é algo que eu teria que viver mais cinco vidas para pensar em ter de novo algo parecido.

Ele ficava possuído quando tentava explicar algo que queria para a cena e não estava conseguindo que o entendessem, se impacientava, saía irritado e ameaçava não voltar mais.

A gente sabia que devia sentar e esperar. Meia hora depois ele voltava e nos chamava pra tomar um café e era extremamente delicado com todos.

Era sempre assim. Era o seu amor incondicional pela sua arte e pelos afortunados que elegia.

FURACÃO
Quem o via extremamente gentil no trato diário não conseguia conceber o furacão que ele era.

Era um artista meticuloso e perfeccionista, amoroso e parceiro, o que não o eximia de ser explosivo e temperamental quando sentia que era necessário.

Depois de dirigir a cena, ele costumava me dizer: "Tá ótimo, Mário, mas agora suja um pouquinho a marca pra não parecer que é marca".

Nunca haverá outro diretor como o Fauzi.

Quando ele nos propôs um workshop no Festival de Teatro de São José do Rio Preto, ocasião em que nos conheceu, Ademar Guerra (outro diretor genial e lendário) saiu falando alto enquanto se despedia do nosso grupo: "Vocês não sabem o que estão ganhando".

Com o meu amigo Fauzi, eu ganhei muito mais do que merecia.

Mário Bortolotto é ator, dramaturgo e diretor. Seu texto foi publicado na edição de 7 de dezembro,do jornal Folha de S. paulo.

quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

Registro 446: FAUZI ARAP



Aos 75 anos falece em São Paulo 
o dramaturgo e encenador Fauzi Arap


Os deuses do teatro estão indóceis, levando os nossos grandes artistas. Mas os que têm memória guardarão para sempre seus trabalhos na cena. É o que acontecerá com Fauzi Arap. 

Fauzi Arap fará muita falta, não somente como ator que foi, mas como encenador e autor, funções que exercia com grandeza estética e humana. Tive o prazer e a felicidade de conviver com Fauzi Arap e com seu companheiro de vários trabalhos, Flávio Império. Que bela dupla. Vão se encontrar no infinito para fazer teatro.

O dramaturgo nos deixa um legado. Suas peças são profundamente humanas. "Pano de Boca" é a dramatização de uma crise do teatro, crise dos que fizeram teatro entre os anos 60 e 70. Um belo texto sobre o teatro e sua gente. 

Seu livro "Mare Nostrum" é de profunda sinceridade e sabedoria. 

Arap viveu longe dos holofotes e os que viram o ator em cena confirmam: ele era de uma intensidade monstruosa. Sensível, este homem formado pela Escola Politécnica enveredou pelo teatro e aí encontrou seu destino. 

Os que tiveram a felicidade de ver o show "Rosa dos Ventos", o deslumbrante momento da cantora Maria Bethânia sentiram a potência estética do encenador que nos deixa. Estou profundamente triste. Fauzi Arap guiou muitos atores pelos caminhos da vida no teatro e fez deles artistas iluminados em cena, a exemplo da atriz Célia Helena em "Pano de Boca".

Meu aplauso e uma lágrima para meu querido Fauzi Arap.

sábado, 30 de novembro de 2013

Registro 445: Olhar sobre um espetáculo


ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE
LONGA JORNADA NOITE ADENTRO

Para senhor Epifânio
In memoriam 

                   O texto e a encenação
           A encenação de Longa Jornada Noite Adentro encontra-se em cartaz no Teatro Martim Gonçalves, Escola de Teatro, até 15 de dezembro. O texto é do dramaturgo norte-americano Eugene O’Neill (1888 – 1935) e a tradução de Helena Pessoa. A direção é do ator-diretor e professor Harildo Déda, uma Produção da Companhia de Teatro da UFBA.
           O público soteropolitano tem a oportunidade de apreciar um texto que, por sua envergadura e importância capital para o teatro, não é levado à cena com a regularidade que merece. A Companhia de Teatro da UFBA, com todas as dificuldades que enfrenta, preenche uma lacuna. Estamos diante de uma encenação que cumpre seus objetivos, pois dá conta da importância e complexidade do texto.
            A peça conta sobre a família Tyrone. O’Neill mergulha no passado de sua família no momento em que vive a crise desencadeada por situações trágicas que envolvem todos os membros,  sobretudo a mãe Mary Tyrone, e Edmund, o filho mais novo. Revolvendo o passado de sua família, sem reduzir o texto somente a uma autobiografia, o autor mostra-nos o dilaceramento dos personagens, todos eles enlaçados pelo amor. Mas este afeto não consegue aplacar o sofrimento que marca a vida familiar. Confinados em uma casa isolada, atravessam o dia e a noite perscrutando a si e principalmente ao outro, de forma a expor seus sonhos e suas frustrações. Diante de seus dramas, não conseguem perdoar-se uns aos outros, embora o amor entrelace estes seres, tornando o conflito ainda maior.
           Através das amargas críticas, o passado emerge de maneira crua. No entanto, paira no ar alguma coisa que se quer esconder. Movidos por uma autointerdição, os personagens usam das meias palavras para não revelar o que de fato fragiliza a todos: a tuberculose de Edmund e o vício morfinômano da mãe. Acrescente-se a este quadro a avareza paterna e a embriaguez de Jamie Tyrone, o filho mais velho: o problema de um afeta ao outro, numa teia de situações melodramáticas que talvez fossem apressadamente consideradas hoje em dia como piegas ou "teatro de segunda", mas que em nada afetam a grandeza do texto. Um travo melancólico perpassa cada cena do longo texto finalizado por Eugene O’Neill, em 1941.
           Ao concluir sua obra, o autor decidiu que ela seria encenada vinte e cinco anos após sua morte, visto que um dos personagens ainda vivia. Ainda assim, o texto não pode ser lido ao pé da letra como uma autobiografia. Melhor seria vê-lo como uma bioficção. O que transborda das páginas e do palco é criação. A imaginação do autor entra em ação para dar vida aos acontecimentos da peça, mesclando o seu mundo particular com dados da realidade. Isso é fruto de sua capacidade criadora, inventiva, que torna as particularidades de Longa Jornada Noite Adentro amplas, universais. Estas qualidades fazem com que o texto continue atual, visto sua atemporalidade.
           Na peça, o dia avança ensolarado para declinar na neblina de uma noite escura, iluminada pela luz de um farol que surge em diversos momentos da ação. Paradoxalmente, é nas sombras da noite que o interdito é revelado de maneira clara. Nem mesmo o efeito da morfina que anestesia Mary Tyrone impede que ela complete o círculo e retorne como um ouroboros, ao início de tudo. Aí se dá o eterno retorno. O passado resurge em sua potência e a personagem revela o momento em que, deixando uma pretendida vida de religiosa, se apaixona pelo famoso ator James Tyrone, marco inicial desta família que vem a ser solitária e debate-se entre a acusação e o afeto.  
           O texto em quatro longos atos é reduzido para dois, de maneira sábia e oportuna por Harildo Déda. Diante da aceleração do tempo presente, levar à cena Longa Jornada Noite a Dentro  sem os cortes necessários, afastaria o espectador desacostumado a apreciar eventos deste porte.
           Sabedor do realismo do texto, o encenador não se prende a uma fórmula, quebrando algumas regras da estética convencional: não está em cena o realismo histórico. O que se vê no palco é uma encenação apoiada no texto, sem se escravizar a ele. Marcando com rigor e dinamismo, Déda faz a sua leitura de Longa Jornada Noite a Dentro sem cair na facilidade amenizadora do drama que se desenrola passo a passo. Considerando seus momentos de alta e de baixa intensidade, o encenador colore a cena apoiando-se numa partitura em que as pausas e os silêncios completam o dialogar constante dos personagens. Precisam falar, precisam ser ouvidas. Precisam dizer de suas angústias.
           A encenação revela uma segura direção de atores. A cena é desenhada com marcas objetivas e de grande efeito, fazendo os atores se deslocarem em função das dinâmicas da ação. São visíveis, mas não óbvias, a construção a partir da análise ativa, um princípio stanislavskiano e uma escolha adequada para o universo da peça. Este caminho não congela as interpretações em maneirismos; ao contrário, aprofunda a dimensão física de cada ator na relação com o espaço e com os objetos. Gestos, pausas, deslocamentos ampliam a intersubjetividade do drama, mantendo os espectadores como observadores atentos. Ao mesmo tempo, Déda impõem estratégias que rompem com o fechamento do palco, trazendo os personagens para mais perto da plateia.
           Contando com cenário e luz de Eduardo Tudella, lembrando ambientes do pintor Edward Hooper, o encenador orquestra com bastante segurança os elementos constitutivos do seu espetáculo. Preocupa-se com a tensão e a investigação interior, muito mais do que com a história, pois o foco de Eugene O’Neill está no confessionalismo: isso faz com que o passado seja escavado intensamente. Ainda que mostre o domínio criativo e técnico, a cenografia poderia valer-se de alguns recursos que expressassem a decadência do lar. A decadência não está somente nas relações da família Tyrone, mas na própria casa. Contudo, isso não diminui a qualidade do que se vê em cena: somente que estes elementos faltantes proporcionariam ao espectador mais um dado a ser lido como um signo relevante.
           É notável o controle das emoções, mantidas esticadas ao longo do tempo ficcional, sem extrapolar os limites dramáticos. O que poderia tornar-se melodramático ou mesmo piegas é evitado ao longo dos acontecimentos.
           Cercado por uma equipe técnica de eficiência comprovada pelos detalhes da produção, um único senão salta aos olhos: o vestido rosa de Mary Tyron no segundo ato, assim como a gravata brilhante da empregada Cathleen. Nos demais figurinos, Claudete Eloy acerta com bastante sobriedade, pois compreende o universo onde transitam os personagens, bem como a época em que se passa a ação. O corte das roupas femininas e masculinas, bem como a paleta de cores, harmoniza-se com o sóbrio e criativo cenário.
           A luz recorta o cenário, marcando os climas exigidos pela densidade dramática, colaborando para a atmosfera das cenas. O efeito final, com a luz do farol entrando pelas janelas, adéqua-se à situação na qual, sob o efeito da morfina, a mãe surge na sala como um fantasma, calando marido e filhos. Densa e bela, a cena, intensificada pelo Adágio para Cordas, de Samuel Barber, sustenta o entrecho e dá suporte para o monologar de Mary Tyron. Com parcimônia, a sonoplastia contribui também para a profundidade emocional. A sirene de neblina que se ouve em alguns momentos corta os silêncios, aumentando a solidão dos que estão na casa. Solidão essa vivida pelo grupo familiar disfuncional. Este grupo se alterna em instantes de acusação e provocação, atitudes que escondem o que há de mais humano, o afeto. Sentimento que nutre pai, mãe e filhos, unindo-os, ainda que se avizinhe a derrocada final.
           Harildo Déda orquestra o canto fúnebre de Eugene O’Neill com grande segurança,  acerta nas suas escolhas.
           Retornando ao texto, focalizando o aspecto de biografia dramatizada, vemos que Edmund, o poeta persona do autor, se erguerá pela arte, como foi de fato a vida de Eugene O’Neill. O autor revive teatralmente o verão de 1912 como dramaturgo sabedor do seu ofício, e não se deixa prender somente pelos dados da realidade. O que se vê em cena é fruto de um processo de criação; dolorido é certo, mas profundamente humano, e é por isso que ecoa em nós, ainda que vivamos noutro tempo. No entanto, se olharmos atentamente para o drama de cada um dos personagens, veremos que eles não estão assim tão longe das nossas vidas, pois nos debatemos, de uma maneira ou de outra, com os mesmo problemas enfrentados por James, Mary Jamie e Edmund: o entorpecimento pelas drogas, a sovinice, os projetos não realizados e as demais doenças do corpo-espírito. No entanto, assim como os personagens de Longa Jornada Noite Adentro, ainda somos capazes de amar, pois somos humanos, contrariando o discurso da pós-humanidade defendido por certas correntes do pensamento pós-moderno.

           O elenco
           Uma encenação de qualidade, na qual os signos se organizam esteticamente, não deve prescindir de um elenco com capacidade para sustentar os personagens, ainda mais em um texto de envergadura como Longa Jornada Noite Adentro. Déda, não só diretor, mas ator de longa experiência e conhecida competência como professor de atores, soube escolher cinco intérpretes que se responsabilizam por dar vida às criações de Eugene O’Neill. E, seguindo suas orientações, o fazem com competência e unidade.
           Joana Schnitman (Mary Tyrone), Antonio Fábio (James Tyrone), Wanderley Meira (Jamie Tyrone), Vinicius Martins (Edmund Tyrone) e Patrícia Oliveira (a criada Cathleen) conseguem exteriorizar a densidade psicológica, mantendo as interpretações na justa medida esperada para personagens bem estruturados pelo autor, ainda que ele não tenha se debruçado com mais atenção no papel da criada.  O texto traza poética realista que necessita de uma construção espelhada na vida, mas o que vemos na cena e nas interpretações não é uma fatia da vida, mas uma elaboração por métodos que remetem aos princípios stanislavskianos.
           Compreendendo os personagens passo a passo, desde a análise até a vivência, os intérpretes revelam a maturidade e as variadas qualidades adquiridas com as experiências individuais ao longo de suas carreiras. Por eles, o encenador fala e se oculta, de modo que os exercícios formais estão sempre a serviço dos que estão em cena durante as duas horas em que decorre o espetáculo. Cabe aos atores, muito bem conduzidos pr Harildo Déda, modular o tempo ficcional à medida que este decorre da manhã à meia-noite, momento em que os demônios internos estão expostos. E é neste tempo que cada intérprete faz aparecer a sua construção, como se desenrolasse um novelo gradativamente, prendendo pela emoção a atenção do espectador. É notável o equilíbrio interpretativo, o que faz da encenação o lugar próprio do ator.
           Joana Schnitman constrói Mary Tyrone com sensibilidade aguçada: modula as emoções exigidas pelo papel. A atriz demonstra suas qualidades de intérprete numa estatura que somente as grandes atrizes são capazes de trazer para a cena. Sutilmente, a intérprete revela-nos os problemas que afligem a personagem, sua fixação em algo que se descobre na medida em que a ação se desenrola. Sua atuação é magistral, culminando com o monólogo final.
           Sobre a interpretação de Antonio Fábio, no papel de James Tyrone, o que se pode dizer é que o ator cresce superando os limites físicos, já que imaginamos o personagem como uma figura imponente, ídolo das plateias.  James é um ator que abre mão dos personagens grandiosos para encantar com sua beleza as mocinhas que iam ao teatro quando ele era o astro. Ator expressivo, Antonio Fábio caracteriza o personagem, mostrando sua arrogância e, principalmente, sua avareza. Em alguns momentos, o ator deixa entrever a humanidade escondida por trás da carapaça conservadora, mas volta a escondê-la, principalmente nas cenas com Jamie, personagem que Wanderley Meira faz de maneira vibrante. Nas cenas com Joana Schnitman, Antonio Fábio alterna afeto, mostrando-se inseguro, mas defendendo-se sempre das acusações desferidas por ela. A contracena entre eles é bom teatro.
           Como disse anteriormente, Wanderley Meira mostra seu personagem de maneira intensa, mostrando-se um ator de extensão interpretativa. Na perigosa cena da bebedeira, o ator transita de maneira precisa. Fugindo do clichê, assenta sua atuação variando os estados psicológicos que passam pela culpa, pela zombaria, resvalando pela inveja, para em seguida mostrar sua fragilidade diante do drama materno e da situação do irmão caçula. Representando um ator cuja carreira, imposta pelo pai, não deu certo, o Jamie de Meira  é um farrapo humano sem perspectiva. Wanderley Meira se encarrega de fazer com que estes estados anímicos tornem-se visíveis ao longo da ação.
           Vinicius Martins, o mais jovem entre os quatro intérpretes, encarrega-se de levar para a cena Edmund, o alterego de Eugene O´Neill. Aluno do Bacharelado em Direção Teatral da Escola de Teatro, Martins vem experimentando o palco como ator e vem crescendo a cada peça que faz. Quem o viu em Fala Baixo Senão Eu Grito, sob a direção do aluno-ator Georgenes Isaac, pode ter esta medida. O personagem criado por Vinícius Martins deixa transparecer o papel que ele exerce na peça, ou seja, Edmundo, ao mesmo tempo em que é participante, é espectador desse mesmo drama.
          Coube a Patrícia Oliveira o papel da criada Cathleen, um personagem que O’Neill não construiu como os outros. A atriz recém formada soube conduzir de maneira muito especial a figura da criada, injetando-lhe doses de ingenuidade e, ao mesmo tempo, sagacidade. Sua participação na ação proporciona o alívio cômico em meio à densa atmosfera que perpassa a peça.  Sua conduta na cena com Mary Tyrone tem um ar brejeiro e ao mesmo tempo safado, quando se serve da bebida do patrão. Vejo que Patrícia Oliveira valoriza e tira partido de um personagem posto na peça pelo autor para alinhavar o enredo. Sai-se bem a jovem atriz.

              Equipe Técnica
           A equipe mostra sua competência. Com seu empenho, o acontecimento chega ao espectador da maneira como foi concebido. Por ser um espetáculo da Companhia de Teatro da UFBA, é de estranhar a pouca participação de alunos nestas funções, mas vale registrar a presença de Pedro Souza na operação de som, João Saraiva e João Guizande como assistentes de produção. A ausência de outros alunos faz lembrar um fato muito importante quando da constituição da Escola de Teatro como espaço artístico-pedagógico. Nos espetáculos de A Barca, grupo criado por Martim Gonçalves, os alunos revezavam-se no palco, ora em papéis principais, ora em papéis secundários. Quando não estavam em cena, desempenhavam outras funções necessárias para o fazer teatral: eram assistentes de cenografia, de figurino, faziam a contra regragem,  recepcionavam o público. Este procedimento era parte da pedagogia do teatro. Suprimindo-o desequilibra-se uma processo de aprendizagem. 
          Finalizando, cabe ressaltar o cuidado com o material de divulgação de Longa Jornada Noite a Dentro, tanto os registros do processo em vídeo e fotos, quanto os cartazes, programa e marcadores de livros, todos muito bem concebidos e realizados.


Raimundo Matos de Leão

domingo, 17 de novembro de 2013

Registro 444: Quero ficar no teu corpo como TATUAGEM





     Tatuagem, o filme e não a canção, chega às telas e nos pega de corpo e alma. Ah, como se existisse tal divisão. Divisão que cientificismo criou e o filme desconstrói sabiamente ao contar de maneira visceral a história de um grupo de teatro no Brasil de 1978, ainda no período do (des)governo militar. Mas o foco central é a relação afetiva-sexual entre Clécio (Irandhir Santos), o cabeça do grupo, e Fininha (Jesuíta Barbosa), um jovem recruta, que fugindo à rigidez do quartel se envolve com Clécio, integrando-se à trupe e desbundando junto com ela.



     Impregnado de elementos da contracultura, aquela localizada entre os anos 60 e 70, o filme expõe de maneira contundente, sem discursos engajados, a necessidade do indivíduo viver a sua liberdade sendo parte de um grupo, ou melhor, da comunidade que se aglutina em um velho casarão do Recife e mostra em seu teatro, happenings, desabusadamente escrachados, uma indireta e gostosa referência aos Diz Croquettes, trupe teatral que energizou o palco com sensualidade e deboche. 
       Assim, os artistas enfrentam a rigidez imposta pelos valores do establishment operante naquele tempo de tantas contradições, mas de afirmação de uma nova ordem, enaltecedora da desrepressão, da reinvenção da família, da afirmação da sexualidade hétero ou homo e de tudo o que foi até então abafado pelos sistemas políticos, econômicos e sociais.
        Hilton Lacerda vai a fundo sem perder a delicadeza, contando com precisão este universo impregnado de hipismo, sonho e desejo de mudança.  Habilidosamente, o diretor cativa ao mergulhar por inteiro na relação de amizade entre os membros do grupo e principalmente no triângulo amoroso quando da introdução de Fininha. Ao entrar na história do grupo, o recruta interfere na relação de Clécio com Paulette, situação que se resolve numa bela cena entre os dois. A sinceridade com que se tratam permite que o envolvimento entre os amantes e as tensões causadas no que se sente rejeitado, não desestabilizem o convívio, nem os ensaios e  as apresentações no Chão de Estrelas, local de festa, misto de teatro e boate. Nem mesmo as presenças da ex-mulher de Clécio e do filho do casal, entrando na adolescência, impedem que ele ame Fininha e exerça o seu papel junto ao grupo de artistas underground.
   Tatuagem deixa marcas emocionais em seus personagens e literalmente em Fininha. Não contarei a cena para não estragar a bela e cativante surpresa. Além disso, o filme afirma-se como um lugar em que os “jovens mais violentos, que rapidamente chegam à conclusão de que o antídoto para a ‘racionalidade louca’ de nossa sociedade está em se entregar de corpo e alma a loucas paixões”, como afirma Roszak (1972, p.75) em Para uma contracultura
   A violência é ação questionadora dos sistemas que impedem o individuo assumir-se enquanto sujeito, pois as normas determinam padrões de comportamento que cindem os homens/mulheres tornando-os neuróticos, autoritários deprimidos, destituídos de imaginação. Impossibilitados de reconciliar-se com o todo – razão, beleza, sensualidade – os sujeitos se afastam de Orfeu e Narciso, de Dionísio e Apolo. 
    Ao terminar seu filme ao som de Dalva de Oliveira cantando Bandeira branca, Hilton Lacerda aponta para aquilo que Baudelaire (segundo Marcuse, 1981, p. 150) pensou: “Tudo seria ordem e beleza, luxo, calma e voluptuosidade.” Com esta afirmativa, eu não quero dizer que o filme se encerra resolvendo tudo pelo final feliz, mas a beleza e a comicidade instalada em cada cena nos dizem que a vida com suas tensões e distensões é possível de ser vivida, ainda que as condições sejam de amargar.
    No filme, a desarmonia não encontra eco no interior da comunidade. A crise, se há, é decorrente do regime militar, sua rigidez e sua censura, perseguidoras dos artistas, proibindo sua ação e em seguida invadindo o teatrinho com um contingente de viaturas e soldados desproporcional ao que é a vida e a arte do grupo. Este princípio, vida e arte, posto a girar no casarão desestrutura a rigidez do mundo, pois o que se quer é viver em harmonia com a natureza, abrindo espaços para a imaginação, a fantasia, a utopia.
        Tatuagem exalta Eros. Exalta também o talento de Irandhir Santos, Jesuíta Barbosa (Prêmio de Melhor Ator em Gramado) e Rodrigo Garcia e conta também com a participação de Sérgio Restiffe.  
     Amor e sexo, afeto e cumplicidade marcam o encontro entre Clécio e Fininha. E tudo é exercido sem culpa. Tudo entre eles se dá como na  cena em que dançam ao som de Dolores Duran. Veja a cena em http://www.youtube.com/watch?v=0vCfFaMzTlw

MARCUSE, Herbert. Eros e civilização: uma interpretação filosófica do pensamento de Freud. Rio de Janeiro: Zahar, 1981.
ROSZAK, Thedore. Para uma contracultura. Petrópolis, RJ: Vozes, 1972.