terça-feira, 17 de agosto de 2010

Registro 317: Os caminhos ou descaminhos do teatro

"Uma tarde no Guggenheim com a ala Mapplethorpe encerrada ao público (Deus existe!) e recordo uma conversa antiga com Anthony O'Hear, filósofo inglês que me dizia, com inteira razão, que a principal diferença entre a grande arte e a esmagadora maioria das brincadeiras conceituais dos nossos dias estava na noção de "inexaustibilidade".

A grande arte é aquela que existe e persiste em nós: uma experiência estética que somos humanamente incapazes de esgotar. Vemos Turner uma vez, duas, dez, cem e é como se fosse sempre a primeira vez.

Exatamente o contrário do que sucede com as brincadeiras conceituais: elas podem ser provocadoras, inovadoras, inteligentes. Interessam uma vez. Não interessam nenhuma outra vez."


O fragmento em letras grandes foi retirado da coluna que João Pereira Coutinho mantém no jornal a Folha de S. Paulo, sempre às terças-feiras. Seu texto vem a calhar. Hoje, com meus alunos de Interpretação na Escola de Teatro da UFBA, conversamos sobre  uma matéria publicada no mesmo jornal, em 24 de julho, sobre a exibição de uma "coisa" no Festival de Teatro de São José do Rio Preto. Chamo a coisa de "coisa" por conta do meu estranhamento a respeito do fato, uma peça de teatro sem atores. Achei pertinente discutir o inusitado acontecimento com os estudantes que estão prestes a concluir o Bacharelado em Interpretação Teatral.

O diretor desse "objeto não identificado" diz que sua versão em 3D da peça Os Cegos de Maurice Maeterlinck, portanto sem palco e sem atores é teatro. E Denis Marleu, o diretor, diz textualmente: "O ator não está em cena, mas a sua ausência instala a questão sobre a sua presença".  Só muito relativismo para entrar nesse jogo. Não sou contra a nenhuma experimentação, até porque o teatro, ao longo do tempo, absorveu as modificações ocorridas no tempo histórico, mas ainda assim manteve a sua essência, ou seja o ator ao vivo sem nenhuma mediação, somente aquelas  próprias da linguagem teatral. Mesmo no teatro com bonecos ou com sombras a presença do manipulador, na maioria das vezes, é vista pelo espectador.

O acontecimento em São José do Rio Preto pode ser o início de um fim? Não sei, mas penso que os estudantes de teatro deviam se debruçar sobre tal coisa. Exagerando, disse-lhes que o que me encanta no ato teatral é que ele é feito por atores de carne e osso, que podem esquecer o texto, pode enloquecer diante de todos ou mesmo morrer.

O fragmento de João Pereira Coutinho amplia a discussão... Quem se interessar que entre na corrente e participe da conversa.

domingo, 1 de agosto de 2010

Registro 316: Conversa com estudantes e uma café delicioso

Nos dias 29 e 30 de julho, estive novamente no Colégio Salesianos, no bairro Nazaré, para participar do Café Literário, evento organizado pelos professores de História com o apoio da coordenação e de outros setores da instituição. Ano passado fui homenageado pelos educandos e da mesma forma acolhido como agora.

O que me levou até eles foi o livro Sob o signo das Luzes que lancei em 2008. O romance histórico tem como pano de fundo a Revolta dos Alfaites também conhecida como Revolta dos Búzios, movimento baiano acontecido em Salvador nos finais do século XVIII. Tendo como objetivos principais separar Brasil de Portugal, findar o sistema escravista e instaurar a República, com base no ideario Iluminista, os conjurados de 1798, reuniram participantes de diversas classes sociais, o que torna o movimento grandioso.

A narrativa trata do antecedentes e da revolta abortada e do cumprimento das sentença, com seus líderes principais enforcados na  Praça da Piedade. Conto a história a partir do envolvimento de Eleutério, adolescente filho de uma negra alforriada. Aprendiz na alfaiataria de João de Deus, o garoto toma conhecimento da conjuração. Personagem ficcional, ele estabelece uma ligação com o leitor jovem, um dos objetivos que tinha em mente ao escrever Sob o signo as Luzes. Comprovei minha escolha por diversos depoimentos dos educandos que comigo conversaram durante toda a manhã.

Sentei-me de mesa em mesa, todas elas repletas de iguarias para um café da manhã, cercado de garotas e garotos, além de pais e convidados. Ouvi muito e falei o necessário. Embora fosse o homenageado, a festa era deles e a palavra também. Dei muitos autógrafos e pude perceber o quanto o livro contribuiu para que o conteúdo da disciplina fosse apreendido de forma prazerosa. Meu livro não é didático e tive a preocupação de não fazer dele uma aula de História, mas entrelaçar ficção e acontecimento histórico numa aventura vivida por Eleutério nas ruas e casa da Cidade da Bahia novecentista.

Além da leitura do livro, os educandos pesquisaram sobre os países africanos e sobre o preconceito que ainda vive entre nós, com relação aos negros brasileiros. Procurei ler nas falas dos educandos o que eles pensam a respeito dessa questão e percebi o quanto estão conscientes do problema, verbalizando que o preconceito e a desigualdade existem, mas que não vivemos numa sociedade apartada, dividida em negros de um lado e brancos do outro.

Parece-me que essa questão está sendo posta nas entrelinhas do Estatuto da Igualdade Racial, um corpo estranho em nossa legislação, já que  o artigo de número 5 da Constituição Brasileira diz e garante que somos todos iguais perante a lei sem distinção de nenhuma natureza. O Estatuto foi sancionado pelo Sr. Presidente, e se levado a ferro e a fogo como querem alguns, não há lugar para  Inácio Lula da Silva em nossa sociedade dividida, visto que nem branco nem negro ele é, mas sim branco-mestiço, ou moreno, ou mulato, como queiram os que se preocupam com a cor da pele e baseiam suas vidas tomando como princípio o conceito de raça. Conceito que nenhuma ciência avaliza nem cientista sério defende.

Visto apressadamente, o Estatuto parece um avanço. Talvez em alguns pontos ele avance, mas o princípio é equivocado pois defende um Brasil sem mestiços, traço que nos identifica e que não deixo de ressaltar em meu livro, ainda que de maneira menos acentuada como gostaria. Eu que sou branco mestiço, que trago gostas de sangue português, índio e negro, que estou mais para branco "encardido", não defendo nenhum feudo. Penso e quero igualdade para todos e não me sinto confortável com essa ideologia importada que nos enfiam guela abaixo. Também não sou ibero-descendente, como não sou afro-descendente ou ameríndio-descendente. Sou brasileiro, essa gente morena. Sou brasileiro sem ódio e sem rancor...

Pra quem não conhece e queira um posicionamento aberto e iluminador sobre o tema, eu indico o livro de Antonio Risério A utopia brasileira e os movimetos negros. Vale a pena ler sem preconceito o que ele tem a dizer.

Voltando ao assunto incial, o Café Literário no Colégio Salesianos, tenho certeza que os estudantes que lá encontrei, negros, brancos, mulatos, morenos, amarelos, saberão manter essa mestiçagem que nos engrandece como nação e que nos protege do pensamento único e desse absurdo gerado sem que a população brasileira tenha sido ouvida.

Os professores estão de parabéns pela iniciativa. Fico contente quando posso dialogar com o leitor, eu que na solidão escrevo. Agradeço a oportunidade de conversar com os estudantes. Eles me disseram coisas importantes que levarei em conta quando principiar outro livro.