Ontem, ao sair do cinema, pensei em escrever sobre o filme A Árvore da Vida, mas tomado pela experiência não consegui organizar as ideias. A intensidade da obra não me paralisou, mas não querendo reduzir o seu impacto através de frases feitas não insisti, o texto ficou reduzido a um parágrafo.
O filme de Terrence Malick causou uma funda impressão e catalizou certas preocupações que me acompanham. Aproveitando a oportunidade, digo o mesmo de Melancolia, o filme de Lars von Trier. Tanto um como o outro são filmes que mexem com o espectador e não há meio termo, ou gostamos ou detestamos.
Logo cedo, antes de sair para cumprir a jornada de trabalho na Escola de Teatro, início do semestre, olhei a Folha de S. Paulo e dei com o texto de Luiz Felipe Pondé. O texto me satisfez plenamente. Ainda que discorde de outros textos de Pondé, o de hoje sobre o filme de Malick é preciso. Sem a sua permissão reproduzo o artigo e espero que ele contribua para aqueles que desejam ver A Árvore da Vida. Mas aviso, vá de coração aberto. Recomendo também a ida ao cinema para ver Melancolia. E tem mais, na sexta, 26, deve entrar em cartaz Homens e Deuses. Viva os filmes, os bons filmes. Vamos ao texto.
Natureza e graça
Luiz Felipe Pondé
(Folha de S. Paulo, 15 de agosto de 2011)
A vida é feita de escolhas. Uma das escolhas mais sérias na vida é o modo como vivemos a vida, se como graça ou como natureza. Essa questão é uma alternativa clássica na filosofia cristã, mais especificamente de Santo de Agostinho, morto no ano 430 d.C. Duas de suas obras, "Natureza e Graça" e "Confissões", são essenciais para entendermos este problema.
O novo filme do misterioso cineasta americano Terrence Malick (que despreza o glamour da indústria do cinema e das festas da mídia) se abre com esta questão. "Árvore da Vida" foi o vencedor da palma de ouro de Cannes deste ano.
Malick é um cineasta que faz da espiritualidade a matéria-prima de seu cinema, como, por exemplo, o russo Tarkovski fazia.
Já em "Além da Linha Vermelha", de 1998, com a espiritualidade na guerra, e "O Novo Mundo", de 2005, com a espiritualidade do encontro com o "outro", Malick faz da voz em "off" de seus personagens um apelo desesperado da espécie humana em busca do sentido de nossa aventura na Terra. Em Malick, cada agonia do indivíduo (cada "voz") é arquetípica do humano.
Por favor, não entenda "espiritualidade" aqui como essas bobagens de sofás que você muda de lugar para melhorar a energia da sua casa ou uma palavra para você falar de suas manias com cristais ou expectativas reencarnacionistas.
"Espiritualidade" aqui significa a indagação essencial se a vida é fruto de uma força cega ou fruto de uma intenção bela, confrontada cotidianamente com o sofrimento inquestionável da vida.
Segundo a personagem feminina principal, a mãe dos três filhos (um deles, quando adulto, será Sean Penn) e esposa de Brad Pitt no filme, interpretada pela belíssima ruiva Jessica Chastain, há duas formas de viver: "The way of grace or the way of nature" (segundo a graça ou segundo a natureza). Podemos também traduzir "way" aqui por caminho, modo, forma ou maneira.
Esta é a chave para o entendimento mais profundo deste filme. Sem ela, você poderá ficar rodando em círculos ao redor do encontro, no enredo, entre a origem do universo e da vida na Terra (narrada em maravilhosas imagens cósmicas e paleontológicas) e a história da família que tem essa "mística" como mãe e que nos primeiros minutos recebe a notícia da morte de um de seus filhos na guerra do Vietnã (o "filho mais doce e generoso" dos três).
Eu, que sou uma pessoa essencialmente atormentada pela melancolia (como dizia semana passada ao comentar outra recente pérola do cinema, o filme "Melancolia" de Lars von Trier), considero esse conceito de "graça" do cristianismo uma das maiores criações da filosofia ocidental, além do conceito de Deus, claro. A graça sempre me encanta e, no cristianismo, ela é o "modo" de Deus criar as coisas.
Toda vez que o mundo (e nós nele) surpreende, saindo de sua constante miséria interesseira, vaidosa, traiçoeira, monotonamente previsível, eu sinto o cheiro da graça.
Tivesse eu que definir o modo como vivo, diria, entre a melancolia e a graça. Para mim, não há nada entre elas, só abismo.
Peço aos inteligentinhos que me poupem o blá-blá-blá do jardim da infância sobre as críticas ao cristianismo ou ao conceito de Deus. Proponho que hoje vão brincar no parque.
A graça é generosa, não pensa em si mesma, pode ser humilhada, ignorada, desprezada, mas ainda assim ela dá vida. A natureza só pensa em si mesma, submete todos a ela, é escrava de sua fisiologia, ao fim, vira pedra.
É mais ou menos assim que a mãe "mística" define a diferença entre viver segundo a graça ou segundo a natureza.
Se a vida é fruto da graça, ela é dádiva de beleza e de bondade, se ela é apenas natureza, ela é cega e sem sentido.
O adulto Sean Penn será o herdeiro agoniado desta questão: a vida é graça ou mera natureza? "Devo ser competitivo", como o pai o ensinou a ser (a natureza), ou "generoso", como a mãe lhe dizia (a graça)? A morte prematura do irmão será intransponível? Como amar a vida diante da morte? Seria ela a derrota da graça? A vitória da natureza cega?
2 comentários:
Fiquei intrigado com "Árvora da vida"
achei surpreendente a comunicação que o diretor conseguiu alcançar através da exibição das imagens especialmente selecionadas, preciso assistir de novo...
li uma crítica, ao meu ver acertada, que colocava, os personagens principais: pai, mãe e filho mais velho...como a projeção de uma espécie de "Santíssima Trindade" - Pai, Filho e Espírito Santo ou Superego, Ego e Id.
segue o link da crítica: http://cinemacomrapadura.com.br/criticas/221712/a-arvore-da-vida-o-poder-da-setima-arte-em-obra-existencialista/
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