ECOS DE 68
A IMAGINAÇÃO NO PODER
Raimundo Matos de Leão
A IMAGINAÇÃO NO PODER
Raimundo Matos de Leão
Loucos, desbundados, beatiniks, rebeldes, revolucionários e todos os que “velam pela alegria do mundo”, quarenta anos vos contemplam! Ainda que esse tempo seja relativamente curto, o passado recente está pleno de significados, de utopias não realizadas, de sonhos postergados, de idéias e desafios hoje institucionalizados pela política da globalização, pelo projeto neoliberal e pela expansão da indústria cultural. Esse “tempo de agora”, ditado pela lógica do mercado, carece de novos reptos. E mesmo que venham a ser capturados, como foram os desafios vanguardistas que irromperam durante os anos 60 e 70, tais estímulos podem escapulir “como ratos do museu”, o que torna sua luta se não vitoriosa, pelo menos útil, como indica Edoardo Sanguineti (2000). Por conseguinte, o confronto entre os novos valores, paradigmas e propostas e os valores estabelecidos é permanente, mesmo que se dê a absorção do novo por parte do sistema. Isso não impede comportamentos desviantes da norma reguladora. Os desvios provocam rupturas.
Essa dinâmica insufla o artista, e não somente ele, no seu inconformismo, mesmo que a voracidade da indústria do entretenimento seja imensa e, de certa forma, negativa para o ato criador. Portanto, um choque de contracultura não traria nenhum prejuízo aos artistas pressionados pelo capital que os obriga a viver entre “o oportunismo e a resistência, entre o utilitarismo burguês e a efetiva dedicação à poesia”, como expõe Leandro Konder em Walter Benjamin, o marxismo da melancolia (1999).
As idéias da contracultura surgem nos Estados Unidos, mas não se restringem ao universo norte-americano, como alguns fazem crer. O movimento configura-se como uma força marcadamente conflitante com o status quo, inconformado com a institucionalização da vida, invadindo fronteiras. Considerada como uma “invasão bárbara”, o ideário contracultural avança contra os valores que sustentam a sociedade mundializada pós-Segunda Guerra, notadamente aquela que vive a política da segurança, conseqüência da Guerra Fria. Ao extrapolar as fronteiras do sítio onde brota, transcultura-se, contagiando setores da juventude em diversas paragens; juventude militante, que por volta do final da década de cinqüenta e mais precisamente nas décadas de 60 e 70 preparam “com amor no coração” a invasão, fustigando os “grossos portões” do establishment.
Iniciada desde a geração beat, as idéias da contracultura contaminam boa parte da juventude no Brasil. Insatisfeitos, os jovens, e não só eles, voltam-se contra a cultura burguesa assentada na superficialidade de uma vida medíocre, em cuja base está o consumo como uma razão da existência. Nos seus desdobramentos e operando com as idéias de Herbert Marcuse, Norman Brown, entre outros, o movimento contraculturalista politiza-se, fortalecido pelos acontecimentos de Maio de 68 na França, quando os estudantes levantam barricadas, decididos a revolucionar as estruturas de poder, tanto nos sistemas de direita quanto de esquerda. Os slogans “É proibido proibir” e “A imaginação no poder”, são pichados nos muros de Paris, alimentando o real e o imaginário dos sujeitos que se articulam sob uma nova subjetividade. Nota-se no interior do movimento a presença das teorias desenvolvidas pelos intelectuais da Escola de Frankfurt. No Brasil, as manifestações de pensamento, sejam elas estéticas, filosófica, sociológicas e antropológicas, vão estar coloridas pelos diversos matizes das reflexões dos frankfurtianos.
Iniciada desde a geração beat, as idéias da contracultura contaminam boa parte da juventude no Brasil. Insatisfeitos, os jovens, e não só eles, voltam-se contra a cultura burguesa assentada na superficialidade de uma vida medíocre, em cuja base está o consumo como uma razão da existência. Nos seus desdobramentos e operando com as idéias de Herbert Marcuse, Norman Brown, entre outros, o movimento contraculturalista politiza-se, fortalecido pelos acontecimentos de Maio de 68 na França, quando os estudantes levantam barricadas, decididos a revolucionar as estruturas de poder, tanto nos sistemas de direita quanto de esquerda. Os slogans “É proibido proibir” e “A imaginação no poder”, são pichados nos muros de Paris, alimentando o real e o imaginário dos sujeitos que se articulam sob uma nova subjetividade. Nota-se no interior do movimento a presença das teorias desenvolvidas pelos intelectuais da Escola de Frankfurt. No Brasil, as manifestações de pensamento, sejam elas estéticas, filosófica, sociológicas e antropológicas, vão estar coloridas pelos diversos matizes das reflexões dos frankfurtianos.
Na polifonia da cena, vê-se também o pensamento de Georg Lukács a ancorar o discurso dos que pensam forma e conteúdo na arte sob a chave de que a manifestação artística é apenas um reflexo da realidade. Para os que enveredam nas trilhas da contracultura e procuram responder aos limites impostos pelo sistema, o lume para suas reflexões estético-culturais está, como disse anteriormente, em Marcuse, Benjamin, Horkheimer e Adorno, não se restringindo a esses nomes. Esse corpo de pensadores, vai dar estofo para as posições que transitam entre a crítica à racionalidade e a negação da desrazão, à noção de individuo e sua autonomia, distanciando-o das “teorias que se aliam a uma técnica totalitária e da conservação do poder”, como escreve Olgária Matos em A escola de Frankfurt, luzes e sombras do iluminismo (2005). Entre nós, Luiz Carlos Maciel, distingue-se entre os que escrevem e defendem a mudança dos velhos hábitos e posturas, tornando-se um propagador do pensamento contraculturalista.
Vista também como “a invasão dos centauros” a escalar os sustentáculos do sistema, a contracultura configura-se como imagens de conquistadores enfurecidos em luta “contra as festividades civilizadas em andamento”, conforme Theodore Roszak (1972). Seus postulados colocam em questão a ortodoxia tecnocrata. Investe contra os planos da direita e os da esquerda, em um fluxo que reclama o afastamento das gerações passadas, mesmo que não se saiba onde chegar. No entanto, seu inconformismo não revela inconsciência, nem alienação. A postura negativa com relação aos ditames da ordem social tecnocrata é reveladora da politização dos segmentos da classe média, notadamente dos jovens, atentos que estão para a seguinte premissa: “qualquer que seja o custo para a causa ou a doutrina, é preciso atentar à singularidade e à dignidade de cada indivíduo e ceder àquilo que a consciência exige no momento existencial” (Roszak). Essa premissa, se não congrega tudo e todos, aponta para o entendimento entre segmentos ativistas e a juventude mais afinada com a filosofia hippie, congregada em torno do lema “Paz e Amor”.
Vista também como “a invasão dos centauros” a escalar os sustentáculos do sistema, a contracultura configura-se como imagens de conquistadores enfurecidos em luta “contra as festividades civilizadas em andamento”, conforme Theodore Roszak (1972). Seus postulados colocam em questão a ortodoxia tecnocrata. Investe contra os planos da direita e os da esquerda, em um fluxo que reclama o afastamento das gerações passadas, mesmo que não se saiba onde chegar. No entanto, seu inconformismo não revela inconsciência, nem alienação. A postura negativa com relação aos ditames da ordem social tecnocrata é reveladora da politização dos segmentos da classe média, notadamente dos jovens, atentos que estão para a seguinte premissa: “qualquer que seja o custo para a causa ou a doutrina, é preciso atentar à singularidade e à dignidade de cada indivíduo e ceder àquilo que a consciência exige no momento existencial” (Roszak). Essa premissa, se não congrega tudo e todos, aponta para o entendimento entre segmentos ativistas e a juventude mais afinada com a filosofia hippie, congregada em torno do lema “Paz e Amor”.
Ao dizer sobre esse estado de comunhão, não se afirma que o movimento contracultural instaurou a confraternização universal. O sistema soube atacar as suas contradições e se apropriar dos elementos contestatórios para manipulá-los a seu favor. Os impasses e as contradições mostram a fragilidade das investidas contraculturais, muito mais que a rigidez ortodoxa do pensamento ocidental sustentou a ação revolucionária das décadas anteriores. Nas batalhas por resolver os problemas decorrentes das injustiças sociais e dar corpo a toda as exteriorizações da vida psíquica, surgem demandas no interior da vanguarda que a contracultura instala. Os dilemas enfrentados por esses segmentos dão margem a que seus críticos se lhe oponham, condenando-os ou simplesmente negando-os, ao tipificar suas manifestações como vazias, alienadas e alienantes. Esse novo modo de viver surpreende por colocar em risco o mundo disciplinado que a juventude naquele momento contesta. Por esse motivo é desqualificado e reprimido.
Ao rejeitar todo um arcabouço de idéias que mantém os pilares da sociedade massificada, os grupos no centro desse arco multicor que é a contracultura persistem firmemente sustentados por um desejo de viver o presente, diluindo-se a noção de futuro como promessa. Intentam práticas sociais alternativas sustentadas pelo discurso e pela ação que propõem um radical afastamento da racionalidade determinada pelo autoritarismo. Nesse arcabouço promove-se “uma base cultural para a comunidade, novos padrões familiares, novos costumes sexuais, novas maneiras de ganhar a vida, novas formas estéticas e novas identidades pessoais no lado oculto da política de poder, no lar burguês e na sociedade de consumo” como atesta Roszak.
No interior da contracultura cria-se um quadro matizado de oposição aos regimes tecnocratas e totalitários, ao pensamento cientificista – uma quase religião –, ao entendimento da política como abstração. Afirmam-se premissas que abarcam discussões e vivências a respeito de aspectos abrangentes da existência. Contesta-se a noção de progresso, aquela que se compraz em avançar sobre os destroços causados pela ação dos vencedores ou pela acumulação quantitativa, como nos lembra Benjamin (1994), ao se posicionar contra “a obtusa fé no progresso”, ideologia que irmana opostos: conservadores e progressistas – iludidos que são pela crença no ideal progressista – pensam que a humanidade avança para além barbárie. Os contraculturalista prefiguram o ideal comunitário e a democratização da vida. Em sua rebeldia, desenham o estado de exceção compreendido pela via positiva, contrário ao estado supressor das liberdades democráticas imposto, por exemplo, pelo governo civil-militar entre nós. No período de sua existência, a contracultura se firma e se propaga no Brasil, mas não como uma decorrência circunstancial, fruto das redes ditatoriais que controlam o País nos idos de sessenta e setenta. Essa visão que toma a contracultura como resultante da circunstância nega a sua força subversiva não apenas nos trópicos, mas em todos os sítios onde os jovens se posicionam contra. Apesar do regime ditatorial, o desbunde desmontou o discurso fechado. “Pelas brechas, pelas rachas” (Torquato Neto) desviou-nos da caretice reinante. Agora, diante das imposições do mercado, do atrelamento da cultura às normas econômicas, da passividade social e do individualismo exacerbado, resta apelar para a redenção messiânica, a iluminação profana, nos termos propostos por Walter Benjamin. A redenção poderá nos devolver o que nos foi e é retirado brutalmente.
No interior da contracultura cria-se um quadro matizado de oposição aos regimes tecnocratas e totalitários, ao pensamento cientificista – uma quase religião –, ao entendimento da política como abstração. Afirmam-se premissas que abarcam discussões e vivências a respeito de aspectos abrangentes da existência. Contesta-se a noção de progresso, aquela que se compraz em avançar sobre os destroços causados pela ação dos vencedores ou pela acumulação quantitativa, como nos lembra Benjamin (1994), ao se posicionar contra “a obtusa fé no progresso”, ideologia que irmana opostos: conservadores e progressistas – iludidos que são pela crença no ideal progressista – pensam que a humanidade avança para além barbárie. Os contraculturalista prefiguram o ideal comunitário e a democratização da vida. Em sua rebeldia, desenham o estado de exceção compreendido pela via positiva, contrário ao estado supressor das liberdades democráticas imposto, por exemplo, pelo governo civil-militar entre nós. No período de sua existência, a contracultura se firma e se propaga no Brasil, mas não como uma decorrência circunstancial, fruto das redes ditatoriais que controlam o País nos idos de sessenta e setenta. Essa visão que toma a contracultura como resultante da circunstância nega a sua força subversiva não apenas nos trópicos, mas em todos os sítios onde os jovens se posicionam contra. Apesar do regime ditatorial, o desbunde desmontou o discurso fechado. “Pelas brechas, pelas rachas” (Torquato Neto) desviou-nos da caretice reinante. Agora, diante das imposições do mercado, do atrelamento da cultura às normas econômicas, da passividade social e do individualismo exacerbado, resta apelar para a redenção messiânica, a iluminação profana, nos termos propostos por Walter Benjamin. A redenção poderá nos devolver o que nos foi e é retirado brutalmente.
Concluindo, toma-se de Olgária Matos o seguinte trecho: “Para reconhecer o instante (...) da revolução, para reconhecer os sinais anunciadores do futuro, necessita-se de ‘presença de espírito’, tal como Benjamin o diz. E este é ‘corpórea presença de espírito’, é sensorial e sensual”. Essa presença de espírito insufla a imaginação, intensifica os poderes de Eros contra Thanatos e fortalece o sujeito em sua luta contra a razão instrumental. Então, o sensível contido na arte se apresenta como uma saída contra o barbarismo. Ações inspiradas de contracultura talvez nos livrem do neoconservadorismo infiltrado nas instituições e na vida, nos alertem contra o que há de falso no discurso progressista. Portanto, a contracultura continua imprescindível na pós-modernidade, não como repetição, mas como inquietação no presente. Memória ativa que transforma o presente.
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O texto foi publicado originalmente no suplemento Cultural do jornal A Tarde, Salvador - Bahia, em 17 de maio de 2008, pp.8-9
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