segunda-feira, 28 de maio de 2007

Registro 87: Alteridade

labrys, estudos feministas
número 1-2, julho/ dezembro 2002

A Questão do Outro
Luce Irigaray

Tradução de Tania Navarro Swain

Resumo:
A questão do outro é uma questão de época. Mas esta questão é muitas vezes mal colocada, permanecendo hierárquica e naturalista. Este é o motivo pelo qual, sem dúvida, Simone de Beauvoir não compreendeu que o outro sexo podia significar um sexo diferente e não um segundo sexo, no sentido de sexo inferior. A meu ver, é afirmando a diferença que a mulher pode libertar-se da dominação sobre ela de uma cultura no masculino. Para cultivar esta diferença, deve definir as mediações próprias a seu gênero: em nível da linguagem, do direito, da religião, da genealogia, etc. Após haver conquistado uma subjetividade livre e autônoma, a mulher deve aprender a entrar em relação com o homem como outro, um outro diferente, mas não hierarquicamente superior ou inferior.

Palavras-chave: diferença, outro, gênero, linguagem

A filosofia ocidental, e talvez toda a filosofia, constituiu-se em torno de um sujeito único. Durante séculos, não se imaginou que poderia haver sujeitos diferentes e que o homem e a mulher, em particular, poderiam ser sujeitos diferentes.

Desde o fim do século XIX, certamente, a atenção voltou-se principalmente sobre a questão do outro. O sujeito filosófico, sujeito agora mais sociológico, tornou-se um pouco menos imperialista. Admitiu que existiam identidades diferentes da sua: crianças, loucos, os "selvagens", operários, por exemplo.

Havia, portanto, diferenças empíricas a serem respeitadas: todo o mundo não era igual e importava debruçar-se um pouco mais sobre aos outros e suas às diversidades. Mas o modelo fundamental do ser humano permanecia imutável: uno, único, solitário, e historicamente masculino, o do homem ocidental adulto, racional, competente. As diversidades observadas eram assim pensadas e vividas de maneira hierárquica, o múltiplo sendo sempre submetido ao único. Os outros não eram senão cópias da idéia do homem, idéia potencialmente perfeita, cujo modelo, todas as cópias, mais ou menos imperfeitas, deveriam esforçar-se para igualar. Estas cópias imperfeitas não eram, aliás, definidas a partir delas mesmas, logo, de uma subjetividade diferente, mas a partir da subjetividade ideal e em função de suas carências em relação àquela: idade, sexo, raça, cultura, etc. O modelo do sujeito permanecia único e os "outros" representavam exemplos inferiores, hierarquizados em relação ao sujeito único.

Este modelo filosófico corresponde, aliás, ao modelo político de um chefe considerado o melhor, como o único capaz de governar cidadãos mais ou menos à altura de sua identidade humana, mais ou menos burilada.

Esta posição relativa à noção do outro explica, sem dúvida, a recusa de Simone de Beauvoir de identificar a mulher ao outro. Não querendo ser "segunda" em relação ao sujeito masculino, pretende alcançar um status subjetivo igual ao do homem, o mesmo ou semelhante ao dele.

No plano filosófico, isto supõe um retorno ao sujeito único, historicamente masculino, e uma anulação da possibilidade de uma outra subjetividade que não fosse a do homem. Se o trabalho crítico de Simone de Beauvoir sobre a desvalorização da mulher como "segunda" na cultura é, de certa forma, exato, a recusa de considerar a questão da mulher como outra representa filosoficamente, e mesmo politicamente, uma regressão importante. Com efeito, sua reflexão é historicamente menos avançada que a de certos filósofos que se interrogaram sobre a questão das relações possíveis entre dois ou mais sujeitos: filósofos existencialistas, personalistas ou mais políticos; ela se situa na retaguarda, também, em relação às lutas das mulheres pelo reconhecimento de uma identidade própria.

As proposições positivas de Simone de Beauvoir representam, em meu entender, uma falha teórica e prática, pois implicam na negação de um(a) outro(a), cujo valor seria equivalente ao sujeito.

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