Entre o mito de Sísifo e a lição do 18 Brumário
Erick Fajardo Pozo *
28.06.05
Fonte: http://www.adital.com.br
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"Hegel disse em algum lugar que todos os grandes feitos e personagens da história universal acontecem , como diríamos, duas vezes. Mas esqueceu-se de acrescentar:uma vez como tragédia e a outra como farsa…". (Karl Marx; "O 18 brumário de Luís Bonaparte").
A quem beneficiará a demissão do congresso no próximo mês de dezembro na Bolívia? Aumentar a estéril polêmica sobre se deve-se ou não encurtar o mandato do Poder Legislativo é a estratégia para redundar sobre um assunto já resolvido - a renúncia dos congressistas - e desviar a atenção da opinião pública do debate central sobre se a atual conjuntura servirá para uma ruptura definitiva ou para uma reedição a mais da lógica de poder elitista no país.
Enquanto a mídia, a Igreja, a empresa privada, os deputados mesistas e os operadores civis do governo anterior pressionam para conseguir um "acordo político" que garanta novos comícios gerais, a origem e a essência da demanda popular de diminuição do mandato - a instalação da Assembléia Constituinte - é suplantada pelos interesses em conflito entre novos e velhos agentes do "stablishment".
Desafio de novas e velhas "rodas"
Outubro Negro não só representou o ápice do descontentamento social e o princípio da derrocada do modelo neoliberal na Bolívia, mas também uma fissura no monopólio de poder estatal que ostentavam as elites políticas tradicionais e que permitiu a ávida emergência da geração de substituição do "criollaje" escravista.
No interior das elites bolivianas, as facções em disputa -tradicionais e emergentes- disputaram ferozmente a tomada do poder estatal durante os últimos 20 meses. A carência de uma estratégia de poder é uma dolência histórica dos sectores sociais, que converteu os momentos de ruptura na Bolívia em cenários de uma tragédia cíclica: a reedição e relegitimação do modelo, e a recaptura do poder pelas elites, no mesmo cenário de seu questionamento.
Estes momentos críticos de rechaço estrutural ao modelo de Estado se deram com regular periodicidade durante o século passado. Da mesma forma, cada um destes momentos de ruptura e de questionamento do Estado liberal foram "domesticados" pelas elites criollas emergentes, que parecem depender da instrumentalização dos protestos sociais para poder romper o cerco hegemônico de sua expressão antecedente e ascender ao poder.
Revoluções populares que são mudanças elitistas
A experiência remete às disputas coloniais pela regência local da capitania geral de Charcas entre Vicuñas e Vascos, grupos rivais de espanhóis criollos e espanhóis nascidos na península ibérica que disputavam o direito de administrar politicamente as colônias.
No mesmo cenário da fundação do Estado liberal (1900), adverte-se uma disputa entre as elites liberais paceñas e a elite oligárquica conservadora chuquisaqueña, que desata a chamada Guerra Federal e cuja única virtude - a desdém do discurso reformista de então - é ter conseguido a consolidação do Estado castiço e excludente através de sua nova expressão elitista e de ter conseguido o deslocamento da sede do poder político da capital Sucre para La Paz.
Em 1952, a Bolívia viveu outro ciclo de ruptura-reedição do monopólio de poder castiço-criollo, quando as massas camponesas e trabalhadoras expulsaram do poder a oligarquia mineiro-feudal. O paradoxo se deu quando a chamada "revolução nacional" foi instrumentalizada pela nova expressão geral da elite criolla, que por trás de um discurso nacionalista-populista se fez poder, desfez-se de seus agentes anteriores e manteve vigente a lógica escravista.
Em 1971, o cenário de ruptura mais importante da história republicana foi frustrado quando a instalação de uma Assembléia Popular -que propagava a fundação de um Estado de corte marxista-soviético- foi brutalmente reprimido pelo golpe de Estado de Hugo Banzer Suárez, dando espaço para a instauração de uma era de regimes militares de duas décadas.
Em 1979, uma histórica insurgência popular tirou do poder o ditador Alberto Natuch, poucos dias após ter perpetrado um sinuoso golpe de Estado, com consentimento dos parlamentares do MNR e com a única intenção de evitar a consolidação de uma nova liderança política "apartidária", emergente tendo como líder Walter Guevara Arze. Entretanto, o esforço popular para derrotar o ditador foi "parlamentarizado" novamente e as elites - desta vez da esquerda - agiram para recapturar o poder. Esta ambição pelo poder sempre esteve presente nos atores emergentes, que encontraram em sua infiltração dentro das forças subalternas e na midiatização de suas demandas, a estratégia ideal para atuar em prol de suas próprias ambições.
A quem beneficiará a demissão do congresso no próximo mês de dezembro na Bolívia? Aumentar a estéril polêmica sobre se deve-se ou não encurtar o mandato do Poder Legislativo é a estratégia para redundar sobre um assunto já resolvido - a renúncia dos congressistas - e desviar a atenção da opinião pública do debate central sobre se a atual conjuntura servirá para uma ruptura definitiva ou para uma reedição a mais da lógica de poder elitista no país.
Enquanto a mídia, a Igreja, a empresa privada, os deputados mesistas e os operadores civis do governo anterior pressionam para conseguir um "acordo político" que garanta novos comícios gerais, a origem e a essência da demanda popular de diminuição do mandato - a instalação da Assembléia Constituinte - é suplantada pelos interesses em conflito entre novos e velhos agentes do "stablishment".
Desafio de novas e velhas "rodas"
Outubro Negro não só representou o ápice do descontentamento social e o princípio da derrocada do modelo neoliberal na Bolívia, mas também uma fissura no monopólio de poder estatal que ostentavam as elites políticas tradicionais e que permitiu a ávida emergência da geração de substituição do "criollaje" escravista.
No interior das elites bolivianas, as facções em disputa -tradicionais e emergentes- disputaram ferozmente a tomada do poder estatal durante os últimos 20 meses. A carência de uma estratégia de poder é uma dolência histórica dos sectores sociais, que converteu os momentos de ruptura na Bolívia em cenários de uma tragédia cíclica: a reedição e relegitimação do modelo, e a recaptura do poder pelas elites, no mesmo cenário de seu questionamento.
Estes momentos críticos de rechaço estrutural ao modelo de Estado se deram com regular periodicidade durante o século passado. Da mesma forma, cada um destes momentos de ruptura e de questionamento do Estado liberal foram "domesticados" pelas elites criollas emergentes, que parecem depender da instrumentalização dos protestos sociais para poder romper o cerco hegemônico de sua expressão antecedente e ascender ao poder.
Revoluções populares que são mudanças elitistas
A experiência remete às disputas coloniais pela regência local da capitania geral de Charcas entre Vicuñas e Vascos, grupos rivais de espanhóis criollos e espanhóis nascidos na península ibérica que disputavam o direito de administrar politicamente as colônias.
No mesmo cenário da fundação do Estado liberal (1900), adverte-se uma disputa entre as elites liberais paceñas e a elite oligárquica conservadora chuquisaqueña, que desata a chamada Guerra Federal e cuja única virtude - a desdém do discurso reformista de então - é ter conseguido a consolidação do Estado castiço e excludente através de sua nova expressão elitista e de ter conseguido o deslocamento da sede do poder político da capital Sucre para La Paz.
Em 1952, a Bolívia viveu outro ciclo de ruptura-reedição do monopólio de poder castiço-criollo, quando as massas camponesas e trabalhadoras expulsaram do poder a oligarquia mineiro-feudal. O paradoxo se deu quando a chamada "revolução nacional" foi instrumentalizada pela nova expressão geral da elite criolla, que por trás de um discurso nacionalista-populista se fez poder, desfez-se de seus agentes anteriores e manteve vigente a lógica escravista.
Em 1971, o cenário de ruptura mais importante da história republicana foi frustrado quando a instalação de uma Assembléia Popular -que propagava a fundação de um Estado de corte marxista-soviético- foi brutalmente reprimido pelo golpe de Estado de Hugo Banzer Suárez, dando espaço para a instauração de uma era de regimes militares de duas décadas.
Em 1979, uma histórica insurgência popular tirou do poder o ditador Alberto Natuch, poucos dias após ter perpetrado um sinuoso golpe de Estado, com consentimento dos parlamentares do MNR e com a única intenção de evitar a consolidação de uma nova liderança política "apartidária", emergente tendo como líder Walter Guevara Arze. Entretanto, o esforço popular para derrotar o ditador foi "parlamentarizado" novamente e as elites - desta vez da esquerda - agiram para recapturar o poder. Esta ambição pelo poder sempre esteve presente nos atores emergentes, que encontraram em sua infiltração dentro das forças subalternas e na midiatização de suas demandas, a estratégia ideal para atuar em prol de suas próprias ambições.
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