SOBRE LIVROS PARA CRIANÇAS
Quando Hobrecker iniciou sua coleção, há 25 anos, os velhos livros infantis eram usados como papel de embrulho. Ele foi o primeiro a oferecer-lhes um asilo, por algum tempo, contra as fábricas de papel. Entre as milhares de obras que abarrotam suas estantes, há talvez centenas que têm nesse local seu último exemplar. Não é com pompa e dignidade profissional que esse arquivista dos livros infantis aparece em público. Ele não visa o reconhecimento pelo seu trabalho, mas a participação do leitor na beleza que ele revelou. O aparelho erudito – principalmente um apêndice bibliográfico de cerca de duzentos dos títulos mais importantes – é bem vindo para o colecionador, sem importunar o leigo. Segundo o autor, o livro infantil alemão nasceu com o Iluminismo. Era na pedagogia que os filantropos punham à prova o seu grande programa de remodelação da humanidade. Se o homem é por natureza piedoso, bom e sociável, deve ser possível fazer da criança, ente natural por excelência, um ser supremamente piedoso, bom e sociável. E como em todas as pedagogias teoricamente fundamentadas a técnicas da influência pelos fatos só é descoberta mais tarde e a educação começa com as admoestações problemáticas, assim também o livro infantil em suas primeiras décadas é edificante e moralista, e constitui uma simples variante deísta do catecismo e da exegese. Hobrecker critica esses textos com severidade. Não podemos, com efeito, negar sua aridez e mesmo sua irrelevância para o leitor infantil. Mas essas falhas, já superadas, são insignificantes se comparadas com os equívocos que hoje estão em moda graças a uma suposta “empatia” no espírito da criança: a jovialidade desconsolada das histórias em versos e as caretas hilares desenhadas por pretensos “amigos das crianças” para ilustrar essas histórias. A criança exige dos adultos explicações claras e inteligíveis, mas não explicações infantis, e muito menos as que os adultos concebem como tais. A criança aceita perfeitamente coisas sérias, mesmo as mais abstratas e pesadas, desde que sejam honestas e espontâneas e, por isso, algo pode ser dito a favor daqueles velhos textos. _____________________________________________________________
Quando Hobrecker iniciou sua coleção, há 25 anos, os velhos livros infantis eram usados como papel de embrulho. Ele foi o primeiro a oferecer-lhes um asilo, por algum tempo, contra as fábricas de papel. Entre as milhares de obras que abarrotam suas estantes, há talvez centenas que têm nesse local seu último exemplar. Não é com pompa e dignidade profissional que esse arquivista dos livros infantis aparece em público. Ele não visa o reconhecimento pelo seu trabalho, mas a participação do leitor na beleza que ele revelou. O aparelho erudito – principalmente um apêndice bibliográfico de cerca de duzentos dos títulos mais importantes – é bem vindo para o colecionador, sem importunar o leigo. Segundo o autor, o livro infantil alemão nasceu com o Iluminismo. Era na pedagogia que os filantropos punham à prova o seu grande programa de remodelação da humanidade. Se o homem é por natureza piedoso, bom e sociável, deve ser possível fazer da criança, ente natural por excelência, um ser supremamente piedoso, bom e sociável. E como em todas as pedagogias teoricamente fundamentadas a técnicas da influência pelos fatos só é descoberta mais tarde e a educação começa com as admoestações problemáticas, assim também o livro infantil em suas primeiras décadas é edificante e moralista, e constitui uma simples variante deísta do catecismo e da exegese. Hobrecker critica esses textos com severidade. Não podemos, com efeito, negar sua aridez e mesmo sua irrelevância para o leitor infantil. Mas essas falhas, já superadas, são insignificantes se comparadas com os equívocos que hoje estão em moda graças a uma suposta “empatia” no espírito da criança: a jovialidade desconsolada das histórias em versos e as caretas hilares desenhadas por pretensos “amigos das crianças” para ilustrar essas histórias. A criança exige dos adultos explicações claras e inteligíveis, mas não explicações infantis, e muito menos as que os adultos concebem como tais. A criança aceita perfeitamente coisas sérias, mesmo as mais abstratas e pesadas, desde que sejam honestas e espontâneas e, por isso, algo pode ser dito a favor daqueles velhos textos. _____________________________________________________________
BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. Tradução Sérgio Paulo Rouanet. São Paulo: Brasiliense, 1994, p. 236-237.
Querer saber de todo o processo que acontece, do nascimento até a morte, faz parte da curiosidade natural da criança, pois se trata da vida em geral e da sua própria em particular... Saber sobre seu corpo, sua sexualidade, seus problemas de crescimento, sua relação (fácil ou dificultosa) com os outros faz parte do se perguntar sobre si mesma e do precisar encontrar respostas... (...). A questão é saber como o tema é abordado: se sem medo, sem reservas, sem fugir das questões principais ou fazer-de-conta que não existem... (...). Estamos falando de literatura... Portanto, não se trata de livros didáticos, de não-ficção, onde se disserta, se dá explicação objetiva, seca, dura... Não é a demonstração dum teorema (a vida não é bem assim...) nem a explanação dum fenômeno científico distante (...) Estamos falando de literatura, de ficção, de histórias onde se aborda um – ou vários problemas – que a criança pode estar atravessando ou pelo qual pode estar se interessando...
Walter Benjamin escreve a resenha Livros infantis antigos e esquecidos em 1924. Perspicaz e amoroso, o crítico, filósofo, homem de muitas sabedorias, ilumina o texto com imagens de pensamento, abrindo janelas sobre o tema. Vale a pena passear sobre suas idéias e pensar nos livros produzidos, hoje, para as crianças desse imenso livro que é o Brasil. Em 1989, Fanny Abramovich, escreve:
Querer saber de todo o processo que acontece, do nascimento até a morte, faz parte da curiosidade natural da criança, pois se trata da vida em geral e da sua própria em particular... Saber sobre seu corpo, sua sexualidade, seus problemas de crescimento, sua relação (fácil ou dificultosa) com os outros faz parte do se perguntar sobre si mesma e do precisar encontrar respostas... (...). A questão é saber como o tema é abordado: se sem medo, sem reservas, sem fugir das questões principais ou fazer-de-conta que não existem... (...). Estamos falando de literatura... Portanto, não se trata de livros didáticos, de não-ficção, onde se disserta, se dá explicação objetiva, seca, dura... Não é a demonstração dum teorema (a vida não é bem assim...) nem a explanação dum fenômeno científico distante (...) Estamos falando de literatura, de ficção, de histórias onde se aborda um – ou vários problemas – que a criança pode estar atravessando ou pelo qual pode estar se interessando...
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ABRAMOVICH, Fanny. Literatura infantil: gostosuras e bobices. São Paulo: Scpione, 1989, p. 98-99.
ABRAMOVICH, Fanny. Literatura infantil: gostosuras e bobices. São Paulo: Scpione, 1989, p. 98-99.
RECORTE DE TRÊS LIVROS PARA CRIANÇAS
Naquela manhã, ninguém precisou acordar o Juca. Ele pulou da cama e num berro gostoso e estridente disse:
- EU QUEEEEEEEEEEEEERO UM MURO NO MEEEEIO DO CAMINHO!!
O berro foi ouvido por todos em seu apartamento e no do vizinho também, mas a vida continuou no ritmo do relógio. Tic-tac, tic-tac, tic-tac! Só o ritmo de Juca parecia mais acelerado naquela manhã.
A mesa estava posta. Durante o café, depois de um grande silêncio, interrompido de vez em quando pelo creck-crck das torradas, Dona Amélia, mãe de Juca, tentou saber que história era aquela de muro no meio do caminho. Juca, muito misterioso, olhou para xícara de café com leite e depois para o bule; em seguida, encarando a mãe, na respondeu. Dona Amélia estava intrigada, precisava saber o significado daquele berro. Lá na cozinha, o papagaio gritou:
- Traz o café do louro, Divina!
Divina deixou mais torradas quentinhas na mesa e lá se foi pra cozinha, sem saber a tal história do muro.
- EU QUEEEEEEEEEEEEERO UM MURO NO MEEEEIO DO CAMINHO!!
O berro foi ouvido por todos em seu apartamento e no do vizinho também, mas a vida continuou no ritmo do relógio. Tic-tac, tic-tac, tic-tac! Só o ritmo de Juca parecia mais acelerado naquela manhã.
A mesa estava posta. Durante o café, depois de um grande silêncio, interrompido de vez em quando pelo creck-crck das torradas, Dona Amélia, mãe de Juca, tentou saber que história era aquela de muro no meio do caminho. Juca, muito misterioso, olhou para xícara de café com leite e depois para o bule; em seguida, encarando a mãe, na respondeu. Dona Amélia estava intrigada, precisava saber o significado daquele berro. Lá na cozinha, o papagaio gritou:
- Traz o café do louro, Divina!
Divina deixou mais torradas quentinhas na mesa e lá se foi pra cozinha, sem saber a tal história do muro.
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LEÃO, Raimundo Matos de. Um muro no meio do caminho. Ilustrações de Beth Kock. São Paulo: Salesiana Dom Bosco, 1987.
LEÃO, Raimundo Matos de. Um muro no meio do caminho. Ilustrações de Beth Kock. São Paulo: Salesiana Dom Bosco, 1987.
Quando saio por aí, com meu irmão, brincamos de tudo: subimos em todas as árvores, principalmente nas mangueiras, corremos atrás de todos os bichos, principalmente atrás das galinhas, e apanhamos todas as frutas, principalmente as verdes. Mas existe uma brincadeira que é diferente de todas as outras, e é a melhor delas: andar dentro do córrego, pra baixo e pra cima. Minha mãe não gosta muito, nem minha avó, mas a gente anda assim mesmo.. Meu pai nem vê, porque fica trabalhando o dia inteiro, tratando das vacas, correndo de jipe, tirando leite, passeando a cavalo, cuidando dos porcos. Ele só para depois do almoço, pra ler uns jornais ou um livro.
Enquanto isso, nós dois, eu e meu irmão, no córrego, andamos pra baixo e pra cima. Mas nós não brincamos disso só por causa da água. É que lá no fundo, brilhando, sempre tem uns pedaços de vidro. Minha mãe diz, e minha avó concorda com ela, que o nome certo é louça antiga, mas nós já estamos acostumados, meu irmão e eu, a dizer que são cacos de vidro. Eles são grandes, pequenos, quebrados, redondos, compridos, grossos, finos, de todo jeito. Às vezes são coloridos, às vezes são brancos.
Enquanto isso, nós dois, eu e meu irmão, no córrego, andamos pra baixo e pra cima. Mas nós não brincamos disso só por causa da água. É que lá no fundo, brilhando, sempre tem uns pedaços de vidro. Minha mãe diz, e minha avó concorda com ela, que o nome certo é louça antiga, mas nós já estamos acostumados, meu irmão e eu, a dizer que são cacos de vidro. Eles são grandes, pequenos, quebrados, redondos, compridos, grossos, finos, de todo jeito. Às vezes são coloridos, às vezes são brancos.
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VIANA, Vivina de Assis. O rei dos cacos. Ilustrações de Carlos Moreno. São Paulo: Salesiana Dom Bosco, 1986.
VIANA, Vivina de Assis. O rei dos cacos. Ilustrações de Carlos Moreno. São Paulo: Salesiana Dom Bosco, 1986.
Daniel foi vendo a mãe fraquinha, sem forças, pálida. Cada dia pior. Canseira à-toa. Sem conseguir brincar até o final dum jogo bobo. Vira e mexe, chamando os filhos. Muda sobre sua doença. Chorando mansinho, ia fazendo cafuné, soprando beijinhos, abraçando apertado. Só querendo ficar perto deles. O tempo todo.
Mônica e Dona Lelena batiam muitos papos.
- Taí, mamãe. Cansei de ver na televisão, de ler nas revistas, mas nunca achei que ia acontecer comigo. Não acredito. Não pode ser verdade. É um pesadelo sem fim. Um horror total!
- Precisa ter esperanças, minha filha.
- Esperança? No quê? De quê? Estou doentíssima e você vem falando de esperança...
- Podia procurar outro médico.
- Boa idéia! Quem sabe uma outra opinião? Um jeito diferente de me tratar?
- Talvez um outro remédio. Tenho algumas economias. Vamos usar. Todinhas. Já falei com o Heitor. Ele concorda.
Mônica e Dona Lelena batiam muitos papos.
- Taí, mamãe. Cansei de ver na televisão, de ler nas revistas, mas nunca achei que ia acontecer comigo. Não acredito. Não pode ser verdade. É um pesadelo sem fim. Um horror total!
- Precisa ter esperanças, minha filha.
- Esperança? No quê? De quê? Estou doentíssima e você vem falando de esperança...
- Podia procurar outro médico.
- Boa idéia! Quem sabe uma outra opinião? Um jeito diferente de me tratar?
- Talvez um outro remédio. Tenho algumas economias. Vamos usar. Todinhas. Já falei com o Heitor. Ele concorda.
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ABRAMOVICH, Fanny. Dias difíceis. Ilustrações de Helena Alexandrino. São Paulo: Moderna, 2002.
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