VOCÊ VIU UM HOMOSSEXUAL POR AÍ?[1]
Alexandre Vidal Porto
Ao
longo dos últimos 40 anos, no mundo ocidental, a luta pela igualdade jurídica
dos homossexuais obteve conquistas notáveis. De tema proscrito, passou à
vanguarda do debate sobre direitos humanos. Cuba, que nos anos 60 mantinha
campos de "reeducação" para gays, promove agora políticas de
inclusão.
Nesta
última semana, foi a vez do Uruguai, que aprovou o casamento civil entre
pessoas do mesmo sexo. Ontem, a França também deu um passo importante nessa
direção com a aprovação pelo Senado de um projeto que deve entrar em vigor até
o meio do ano.
No
caso do Brasil houve avanços, mas o que se oferece aos gays em termos de
proteção e respeito social é pouco em comparação ao que fazem países
culturalmente próximos, como Argentina ou Portugal.
Parte
do Congresso brasileiro busca minar a consolidação de direitos das minorias
sexuais com argumentos condenatórios, toscos e obscurantistas, de cunho radical
religioso.
Ajuda
a compor o retrato do homossexual no imaginário popular a repetição incansável
de personagens gays estereotipados em programas de televisão. No final, a
imagem que fica é que os gays ou são patéticos, ou amaldiçoados.
O
fato de que um discurso desqualificador da homossexualidade possa ser explorado
politicamente ou como fonte de humor é lamentável. Mas faz parte de nossas
mazelas. Não é por acidente que o Brasil ocupa o 84º lugar no ranking de
desenvolvimento humano da ONU, com índice inferior à média da América Latina e
do Caribe.
Toda
superação de preconceitos exige ampliação de conhecimentos. No caso específico,
os homossexuais brasileiros devem assumir a liderança desse processo educativo.
A exemplo do que ocorreu em outros países, cabe a eles mostrar à sociedade quem
realmente são.
O
ato mais político que um homossexual pode realizar é assumir-se como tal.
Engajar-se pessoalmente na luta pela mudança de percepção. Dar cara, nome e
profissão à homossexualidade.
Chamar
a atenção para o fato de que o gay ridicularizado pelo apresentador de
televisão ou atacado na rua pode ser o filho que você ama, o irmão que você
admira, o seu melhor amigo de infância ou o médico que salvou a sua vida.
Cada
gay que sai do armário traz amigos e parentes para a sua luta. O apoio público
de pessoas influentes e admiradas, seja um empresário de peso, um político
respeitado ou um artista de renome, dá segurança e respaldo a um ato radical,
mas necessário, de afirmação pessoal, que contribui para uma sociedade mais
democrática e inclusiva.
Foi
essa a lição que Daniela Mercury deu ao Brasil na semana passada. Que não é
preciso ser triste, irresponsável e fracassado para ser gay, que não há nada de
feio ou indigno na expressão de seu amor.
E
que a despeito do que diga o pastor ou o programa humorístico, a
homossexualidade não é ridícula e nada tem a ver com maldição.
Daniela
fez a sua parte. Deixou claro que o Brasil já gosta de homossexuais. Só precisa
saber quem eles são. Cabe a nós apresentá-los.
ALEXANDRE
VIDAL PORTO é escritor e diplomata.
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