Tomei a liberdade de copiar da Folha de S. Paulo e colar neste blog, o texto logo após a esta resumida introdução. Tamanha é lucidez na análise da proposta que ronda o ensino médio no Brasil, com a adoção de um sistema que privilegia o ensino em áreas que se agregam e ministradas à cargo de uma professor generalista, Sei bem o que é uma professor generalista. Na área da Arte, que é a minha, a batalha para romper com a excrecência do professor generalista foi muito dura, pois temos a certeza de que um professor não conseguirá ministrar conteúdos de Teatro, Música, Dança e Artes Visuais com a competência necessária e fazer com que os estudantes mergulhem no universo das linguagens da Arte de maneira adequado e vertical como deve ser este encontro. Ainda não conseguimos fazer com que as escolas públicas e privadas em sua totalidade compreendam a necessidade de um professor para cada linguagem da Arte. Há exceções, mas via de regra, os profissionais são levados a assumir a tarefa de ministrar aulas de Arte tendo apenas a formação numa das linguagens, o que descaracteriza uma proposta educativa séria. Agora, diante dos baixos índices educacionais, os burocratas da educação inventam uma moda que em vez de avançar retroage a um modelo vigente no tempo da ditadura civil-militar. Mas deixemos que o filósofo Paulo Ghiraldelli Jr. exponha seu pensamento. Comungo com suas ideias e espero que mentes lúcidas consigam agir de maneira a barrar tal estupidez.
Reforma estapafúrdia
PAULO GHIRALDELLI JR
Querem professores de ensino médio generalistas como os do ensino básico. O aluno esperará a faculdade para ter professores especialistas. Será tarde demais.
A ideia que o Ministério da Educação (MEC) tem para melhorar a educação brasileira é a extinção do "professor de colégio". Nunca pensei que se chegaria nisso. É fantástico: não havendo mais a figura do professor, tudo se resolve.
A reforma que o MEC propõe para o ensino médio se resume nisto: ficam extintas as disciplinas tradicionais -português, história, física, filosofia etc. Seus conteúdos devem ser diluídos em "áreas", criadas sem respaldo epistemológico, mas apenas como reflexo do mal arrumado Enem.
A proposta foi tema de dois textos nesta seção no último sábado. Com ela, o MEC atual repete o erro da ditadura militar. Pela Lei de Diretrizes e Bases de 1971, foi feito algo parecido, tendo sido necessário voltar atrás sete anos depois, quando foi constatado o fracasso da reforma.
Como não nasci ontem, posso dizer quais as principais consequências da reforma atual proposta.
1) A primeira é gravíssima: desaparecendo a disciplina, desaparece a figura do professor da escola média, ou seja, o tradicional professor de colégio, uma vez que é pelo domínio de um conteúdo específico que ele se caracteriza.
O professor do ensino médio será um generalista igual ao professor do ensino das primeiras séries do ensino fundamental. Ele poderá ser despejados dentro das tais áreas e, conforme o jogo de forças interno a elas, descartado. Professor sem disciplina no âmbito do colégio não é professor.
2) Não havendo mais a profissão de, por exemplo, professor de física, de filosofia ou de história, para que serviriam os cursos de licenciatura na universidade brasileira? Para nada. Isso vai causar desprestígio ainda maior da carreira do magistério e o fechamento das licenciaturas na universidade.
3) Não existindo mais disciplinas na escola média, queiram ou não, haverá um vácuo de três anos na vida do jovem.
As áreas não funcionarão de imediato (se é que algo assim possa funcionar um dia!), como sempre ocorre nesses casos de mudanças esdrúxulas. Haverá, então, o caos na escola: não se saberá que tipo de professor deverá ficar com os alunos e, ao fim e ao cabo, teremos rapidamente na universidade duas ou mais gerações com três anos a menos de ensino.
4) Descaracterizada dessa maneira, a escola média irá se configurar como um "lugar de espera". Será um tipo de playground para adolescentes (!), que deverão ficar lá, "na bagunça" -provavelmente eles próprios perceberão que não se sabe o que fazer com eles. A escola será um lugar para segurar uma juventude que deverá esperar a universidade para voltar a ter professor especialista!
A universidade, por sua vez, terá de arcar com a tarefa de suprir o que se perdeu nesses três anos.
Obviamente, não conseguirá dar conta disso. O ensino universitário sofrerá pressão no sentido de baixar seu nível, uma vez que a maioria dos alunos não estará entendendo coisa alguma em sala de aula.
Tecnicamente, no jargão da sociologia da educação, trata-se aí de "expropriação do saber" do professor, uma conhecida antessala para arrocho salarial e contenção de despesa.
PAULO GHIRALDELLI JR., 55, é filósofo, professor da UFRRJ (Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro) e autor de "As Lições de Paulo Freire" (Manole)
Folha de S. Paulo, 29 de agosto de 2012
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