Saí do cinema cantarolando Something dos Beatles (1969) lembrando-me da minha juventude que se foi, mas que guardo na memória para que ela não se perca. E tudo isso por conta do belo filme de Laís Bodanzky e Luiz Bolognesi, As Melhores Coisas do Mundo. A sala do Unibanco Glauber Rocha estava vazia, uma pena. Será que os adolescente deixarão de aproveitar esse olhar tão singular sobre personagens tratados com tanto carinho pela diretora? Espero que não. Antes de falar sobre as qualidades do filme, o que me ocorre agora é adjetivá-lo: surpreendente, amoroso, sensível, violento, inquietante, real, jovem, maduro, poético, intrigante, desconcertante, sincero, legal, sofrido, pra frente e muito mais.
Adjetivar não empobrece o filme de Laís Bodanzky. Antes, revela o meu afâ de dizer as primeira impressões. Bodanzky é uma diretora que amadurece a cada trabalho e me cativa com seus personagens e, principalmente pela forma com que conta suas histórias. Foi assim e Bicho de Sete Cabeças e também em Chega de Saudade. Desejo que ela continue filmando e amadurecendo.
Lidando com situações como o divórcio dos pais, os dilemas sobre a sexualidade, a depressão do irmão, ouso de drogas (rémedio, cigarro maconha), a relação com os colegas e com os adultos, a presença da tecnologia como uma fixação, gerando o cyberbullying, agressiva forma de constrangimento através do celular e da internet, a diretora tira partido desses fenômenos, para evidenciar o aprendizado dos jovens. Mas não espere lições moralizantes nem edificantes, mesmo que seu olhar seja positivo e enternecedor. Laís Bodanzky não demoniza nem idealiza seus personagens. Eles são o que são, vivem o seu tempo, erram e acertam e procuram se entender diante do que vida traz.
São muitos os bons filmes sobre adolescentes e As Melhores Coisas do Mundo é um deles.
São muitos os bons filmes sobre adolescentes e As Melhores Coisas do Mundo é um deles.
Ao dirigir seu olhar sobre o universo de adolescentes e jovens vivendo numa grande cidade brasileira, a diretora sabe-se universal e atemporal, embora trate especificaente de uma grupo de personagens de classe média em São Paulo, cidade que serve de cenário como qualquer grande metrópole globalizada. Essa é uma qualidade do filme. Sabemos onde tudo se passa, mas isso fica em segundo plano, porque a narrativa centra-se na captação dos embates vividos por Mano,quinze anos (Francisco Miguez, uma grande revelação) e seu irmão Pedro, dezessete anos (Fiuk, muito bom). Tudo se passa entre a família dos dois (Denise Fraga e Zé Carlos Machado, os pais), o hostil ambiente escolar e as aulas de violão (Paulo Vilhena, professor). Na aparente leveza do entre e sai dos estudantes gira a maior parte do filme. Somos jogados nesse ambiente e vemos desenrolar no seu interior os belos momentos da narrativa e também os mais chocantes quando nos são revalados os preconceitos que machucam não apensas os protagonista, mas a garota mais amiga de Mano, Carol (Gabriela Rocha, encantadora) e a outra, por quem Mano arrasta uma asa e lhe proporciona um momento de felicidade, embora o rejeite motivada pelo preconceito, justamente ela que sofre na pele a discriminação por parte dos colegas.
Um filme sobre descobertas. Um filme sobre como e duro e belo aprender a viver. E é isso que a diretora nos conta e o faz de uma maneira leve, mas não superficial. O roteiro seguro, adaptado de um livro de Gilberto Dimenstein e Heloísa Prieto, não descamba para o piegas nem pelas facilidades, por exemplo, encontradas em Malhação onde tudo é chapado. Em As Melhores Coisas do Mundo, o universo dos adolescentes Mano e Pedro e de seus colegas é mostrado de maneira direta, mas sob camadas sutis que se espalham por todas as cenas, mesmo quando são chocantes na sua crueza. A cena em que Mano toma conheciemento do motivo que levou seu pai a se separar é uma delas. A que se segue também, quando o personagem se vê sozinho em meio ao trânsito em ritmo acelerado, sob o efeitos luminosos.
Outra qualidade do filme é a sabedoria com que a diretora conduz o seu elenco de jovens, a maioria sem grande experiência interpretativa. E ganha pontos superlativos na descoberta de Francisco Miguez e na maneira com soube tirar dele um personagem que atravessa a tela para nos puxar para dentro do filme. Simpatizamos com Mano, principalmente naquilo que ele tem de comum a todos os adolescentes: confusão, insegurança, curiosidade e busca por uma identidade num momento da vida em que tudo é confusão e desejo. Somos rendidos pelo personagem e pelo ator. E vivemos com ele os enfrentamentos, a transição entre a infância e a juventude, a surpreendente identidade do pai, a primeira transa, a afirmação diante dos companheiros
Dos atores que interpretam os adultos, entre eles Caio Blat (professor Artur), a direção soube contar com a experiência e a qualidade interpretativa de cada um. Destaco o trabalho de Denise Fraga, uma ótima atriz, mas sempre perseguida por cacoetes que criou ao longo da carreira. Felizmente, em As Melhores Coisas do Mundo, vejo a atriz livre dos macetes humorísticos. A mãe interpretada de forma contida mostra uma facete nova da atriz.
Por fim, o filme de Bodanzky nos coloca diante de uma questão que não é novidade. As gerações diferem umas das outras, assim como a adolescência em cada época se mostra diversa, mas o que torna o filme abrangente é que nele reside algo que o tempo não modifica, aquilo que está presente no perído da adolescência, seja de ontem ou de hoje. Essa essência imutável é presente no filme como uma força latente, propiciando o diálogo com o que o adolescente que fomos um dia. Diálogo entre o passado e o presente, embalado por uma música bonita, belos planos, montagem agil, mas não eufórica. ponto para a diretora, elenco e equipe técnica.
Não deixe de ver o filme. Ele nos diz que apesar de tudo, a melhor coisa do mundo é viver.
Nenhum comentário:
Postar um comentário