Cacilda Becker em Maria Stuart
Quando da morte de Cacilda Becker em 14 de junho de 1969, distante de nós quarenta anos, o poeta primeiro escreveu o belo poema transcrito aqui, uma homenagem que presto a esse mito do teatro brasileiro. Não vi Cacilda Becker em cena, conheço apenas Floradas na Serra o filme que vez com Jardel Filho, mas convivi com espectadores de seu trabalho. A opinião de todos era unânime: Cacilda iluminava a cena em qualquer peça, em qualquer personagem e mesmo quando não se saía bem era inesquecível. Recomendo a leitura de dois livros fundamentais para compreender esse "monstro de teatro", Uma Atriz: Cacilda Becker, de Nanci Fernandes e Maria Thereza Vargas (São Paulo: Perspectiva, 1984) e Cacilda Becker: fúria santa, de Luís André do Prado (São Paulo: Geração Editorial, 2002)
ATRIZ
A morte emendou a gramática.
Morreram Cacilda Becker.
Não era uma só. Era tantas.
professorinha pobre de Piraçununga
Cleópatra e Antígona
Maria Stuart
Mary Tyrone
Marta de Albee
Margarida Gautiher e Alma Winemiller
Hannah Jelkes a solteirona
a velha senhora Clara Zahanassian
adorável Júlia
outras muitas, modernas e futuras
irreveladas.
Era também um garoto descarinhado e astuto: Pinga-Fogo
e um mendigo esperando infinitamente Godot.
Era principalmente a voz de martelo sensível
martelando e doendo e descascando
a casca podre da vida
para mostrar o miolo de sombra
a verdade de cada um nos mitos cênicos.
Era uma pessoa e era um teatro.
Morreram mil Cacildas em Cacilda.
Carlos Drummond de Andrade