domingo, 5 de outubro de 2008

Registro 210: Leituras...

Ainda tocado pela intensidade amorosa de Carta a D. - História de um amor, de André Gorz (Annablume /Cosacnaif), deixo-me levar pelo livro de Doris Lessing, O sonho mais doce (Companhia das Letras). Não consigo desgrudar de páginas tão intensamente amorosas, compreensivas, mas de uma ironia e criticidade feroz. No final da década de 70 tentei ler a autora, Prêmio Nobel 2007, mas não consegui entrar no seu universo. Rendo-me agora. Transcrevo o resumo da quarta capa: " Jovens de origens e filosofias diversas se refugiam num casarão confortável de Hampstead, bairro chique londrino, para usufrir da comida farta e do ambiente liberal que Frances Lennox, espécie de mãe substituta, propicia. Sentados em torno da grande mesa da cozinha [que mesa, que cozinha!], os adolescentes sorvem também cada gota da retórica do camarada Jonny, ex-marido de Frances, membro do Partido Comunista, pai ausente e eterno revolucionário [repleto de frases feitas e discursos edificantes]. Eles escutam os discurso de Jonny e devaneiam. Querem a utopia. A Revolução.
(...) Num contraponto doloroso, ela nos dá, de um lado, uma Londres que tem tudo, e de outro, uma África que tem fome de tudo."
Lessing é demolidora e sem mascarar enfia o dedo em nossas feridas abertas, aquelas provocadas pelos sonhos não realizados. Os sonhos que se perderam na fumaça da peroração e algaravia dos que se colocam na vanguarda em prol das transformações sociais, políticas e econômicas, mas ficam apenas no nível da idéias. E essas idéias um tanto repisadas não causam nada, esvaziam-se. Por outro lado, ela nos mostra possibilidades no interior de um mundo em ruínas.
Leitura cativante, ela nos prende avassaladoramente, seja pela linguagem, seja pelos persoangens que nos apresenta em suas trajetórias por aquelas décadas que o século XX se viu sacudido e esperou colher mudanças advindas da decantação. O painel que se afigura ao leitor é triste, mas há sempre a possibilidade do encontro, encontro que vai se dar no nível individual, mas que rejeita o individualismo. Doris Lessing traz para as páginas de O sonho mais doce seres humanos destroçados, alguns desprezíveis, mas a maioria aceitáveis com suas idiossincrasias próximas das nossas.

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