No livro W ou a memória da infância, de Georges Perec (*1936 +1982), uma bela e triste a narrativa, encontrei a seguinte nota de rodapé: "A palavra orange ("laranja", em francês) é formada de or ("ouro") e ange ("anjo"), o que explica a formulação da advinha (N.T.)". A explicação é dada a propósito da reflexão que o personagem faz a respeito da prova da existência das coisas, no caso a hicória (madeira canadense usada para fazer esqui), cuja raridade era uma das provas de sua existência. O personagem, um menino, fala de coisas ausentes "acerca das quais nos perguntávamos como podiam existir", tal como as laranjas. E na forma de uma adivinhação explicita: "primeiro é um metal precioso, depois um habitante dos céus, o conjunto uma fruta deliciosa...*)" (p. 128). A nota de rodapé explica a formulação e a palavra explicada expressa essa imagem envolvendo ouro e anjo. Como já gostava, e muito, de laranjas, não sei se passei a gostar mais um pouco da fruta. O certo é que elas tornaram-se mágicas para mim, principalmente quando doces e cheias de sumo refrescante. Retirei a imagem que ilustra o texto no ideiasideias.blogs.sapo.pt/1842.html; não encontrado o crédito, registro o lugar de onde veio o quadro com as laranjas tão auríferas e luminosas a despertar em mim tantos desejos. O poder da imagem.
A quem interessar, recomendo a leitura do livro de Perec que nos tinha dado A vida, modo de usar, publicado pela Companhia das Letras (1991). Encontrei W ou a memória da infância, esquecido no meio de uma porção de livros em oferta. Apostei no nome do autor, já conhecido, e mais ainda no título. Para quem acabou de ver os jogos Olímpicos em Pequim, mergulhar no universo opressor narrado por Perec terá uma medida do que é a imposição, o autoritarismo, o pensamento único em um país de nome W onde tudo e todos cultuam de forma impositiva o triunfalismo esportivo. E, coitado daqueles que não conseguem a vitória. Mesmo aqueles que se tornam vencedores, um dia serão retirados do pódio para sofre as terríveis humilhações impostas aos derrotados. Uma metáfora do nazismo, a narrativa nos remete ao questionamento de Adorno: "Como escrever poesia depois de Auschwitz?" Perec, filho de pais mortos pela repressão nazista, consegue romper com a interdição que a pergunta de Adorno coloca e resgata a si e aos pais. Arthur Nestrrovski escreve na orelha do livro e afirma que o autor responde à pergunta, "mesmo em face da impossibilidade de dar conta do que se passou; autores para quem escrever é uma das maneiras - talvez a única - de sobreviver à experiência e às memórias da guerra. Primo Levy e Louis Begley são nomes que vêm à mente, aos quais se junta o de Georges Perec
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