sábado, 20 de setembro de 2008

Registro 207: Ida e volta

Laços brancos que nem pombas pousam sobre as árvores,
marcos sagrados ao longo do caminho.
Sigo de ônibus... pelas janelas vejo a vida que passa.
Penso naqueles que foram abatidos pela intolerância
de ontem, e sobretudo de agora.
Intolerância gerada pelo capital da fé.

Irmãozinho, o que interessa é a grana.

Meu coração, terra sagrada, abriga o indizível

As máscaras vazias poluem a cidade
são caretas assustadoras.
De suas bocarras saem sorrisos congelados.
Palavras matraqueadas
De-co-ra-das, des-co-ra-das.
Batatadas
Desvitalizadas

Saio da livraria cuidando amorosamente
de Cartas a D.
Basta o primeiro parágrafo...

Parado no ponto de ônibus, eu me lembro de
Ensaio sobre a cegueira, o filme.
Branco

sábado, 13 de setembro de 2008

Registro 206: Comentário sobre Linha de Passe

Recebi a mensagem que transcrevo.
Mantenho a autora no anonimato por não ter consultado-a sobre a publicação. Seu comentário sobre o filme Linha de Passe é direto, curto e sábio.
"...fui ver, ontem, o filme do Waltinho/Daniela ...mein Got, meu São Judas ! Capotonte !!! Arrepiante !!!! Fiquei sufocada, sem ar, quase toda a projeção. Que atores , que olhos dizentes, que direção sábia, que atriz , que roteiro sem chance pra nenhuma respirada dum pinguinho de fantasia, que embate com a realidade, que poucas palavras/palavrões mais do que suficientes, que clima asfixiante que nenhum carinha da chamada esquerda cria, que banho de falta de perspectivas, de é -isso-mesmo- não -tem-escapatória - não -tem -sonho - que -vire- de verdade- Uau, uau !!!!!!!"

domingo, 7 de setembro de 2008

Registro 205: Linha de Passe Adianta a Bola do Cinema Brasileiro


Linha de Passe, o filme de Walter Salles e Daniela Thomas, está em carta em boa hora, já que ilumina algumas sombras do nosso cinema, dos nossos dilemas diante dos caminhos que a vida brasileira segue. É sempre bom apreciar um filme bom e Linha de Passe é mais que isso, é especial. Os cineastas contam fragmentos da vida, pedaços reunidos em um painel denso, humano e nada idealizado. Ponto para eles, ponto para nós espectadores que absorvermos o discurso acionando as nossas maquinetas de compreensão: sensibilidade e racionalidade. São esses também os ingredientes utilizados pelos criadores do filme para adentrar na periferia de São Paulo e olhar aquela família singular composta por uma mãe grávida, cujos filhos não convivem com a figura paterna porque ela não mais existe entre eles, somente em fotografias, documentos de um passado apreciados pela mãe nos momentos de solidão. Compõe a família um garoto negro, filho caçula, preocupado em saber da existência paterna, pois é o único que não sabe quem é o pai. Os outros, embora saibam da existência do genitor, são filhos de pais diferentes.

Não farei um resumo detalhado do seu enredo simples, mas não simplista. Para situar o leitor, localizo o centro de onde partem os acontecimentos do filme.

Cada filho dessa família tem um desejo que se configura na vontade e nas ações para realizá-lo. O mais novo é Reginaldo (Kaique de Jesus Santos), obcecado, vive a procura do pai que ele sabe ser motorista de ônibus. Dario (Vinícius de Oliveira) sonha tornar-se jogador profissional. Sua batalha é tentar passar na seleção realizada por olheiros dos médios e grandes times, mas vai sofrer os limites da idade. Ao completar 18, já não interessa. É velho para o mundo do futebol. Denis (João Baldasserini) trabalha é moto-boy, tem um filho com uma namorada, com quem não vive. Dinho (José Geraldo Rodrigues), é arrimo de família, ajuda a mãe no sustento da casa, trabalhando como frentista. Dinho é evangélico, freqüenta a igreja e atua junto ao pastor. A mãe, Cleuza (Sandra Corveloni, Palma de Ouro de Melhor Atriz em Cannes, 2008), grávida pela quinta vez, sem que se saiba quem é o pai, trabalha como empregada doméstica. Torcedora do Corinthians, assume o papel materno e paterno sustentando o lar num equilíbrio delicado.

Walter Salles e Daniela Thomas, tomam essas situações e não carregam a mão no drama. A secura perpassa o filme desde sua exposição inicial até o último instante. Eles não deixam espaço para o sentimentalismo lacrimoso ou piegas. Ao mesmo tempo, tratam seus personagens carinhosamente. Sem idealizá-los, mostram como eles são, como eles reagem no interior das circunstâncias e como cometem pequenas falhas. Os diretores orquestram a história de vida de cada um dos personagens durante alguns meses. Nesse tempo, os acontecimentos narrados prefiguram sempre a iminência do dramático. Optam pela ficção, mas dão um tratamento quase documental ao material. Fazem isso com habilidade, ainda que deixem lacunas, principalmente na amarração final na trajetória de cada filho. A opção por deixar em aberto pode não satisfazer a maioria dos espectadores, principalmente aqueles que estão acostumados a filmes cujas histórias se desenrolam obedecendo à clássica estrutura de começo, meio e fim bem amarrados. Essas omissões não chegam a perturbar o conjunto da obra. Ao finalizar a narrativa, ou melhor, as pequenas narrativas que formam o todo de Linha de Passe, Walter Salles e Daniela Thomas deixam que o espectador complete os finais. Para isso oferecem pistas ao longo do filme.

Sobre as interpretações, é notável sua condução. Os diretores retiram dos seus intérpretes o melhor. E não apenas do quinteto central, muito bem afinado, já que os atores foram bem escolhidos e adequam-se aos personagens. Eles são a alma do filme. Em meio às ótimas interpretações ressalta a criação de Sandra Corveloni. Sem grandiloqüência, visto que o personagem não pede esse registro, a atriz constrói Cleuza com pequenos gestos, olhares reveladores do que se passa em seu íntimo e falas cujas entonações precisas revelam a compreensão do personagem e do lugar onde ele está situado.

O elenco secundário, formado por atores com experiência em teatro, torna os personagens críveis, ainda que as suas participações sejam pequenas. Mas destacam-se as atuações de Fernando Bezerra, o preparador de Dario, de Gabriela Rabelo, a senhora paralítica, de Denise Weinberg, a patroa de Cleuza, além de Luiz Serra e Norival Riso.

Um destaque do filme é a escolha de São Paulo como locus da ação. A cidade, sua imensidão, seu descontrole, servem de moldura para história tratada com sensibilidade já demonstrada pelos diretores. A direção de arte soube captar com precisão os ambientes, da mesma forma que a música que se faz ouvir sem estardalhaço, mas cria o clima sonoro para os personagens se exponham à luz dos refletores e para a câmera que capta as nuances de suas interpretações
.
Linha de Passe, o filme de Walter Salles e Daniela Thomas, está em carta em boa hora, já que ilumina algumas sombras do nosso cinema, dos nossos dilemas diante dos caminhos que a vida brasileira segue. É sempre bom apreciar um filme bom e Linha de Passe é mais que isso, é especial. Os cineastas contam fragmentos da vida, pedaços reunidos em um painel denso, humano e nada idealizado. Ponto para eles, ponto para nós espectadores que absorvermos o discurso acionando as nossas maquinetas de compreensão: sensibilidade e racionalidade. São esses também os ingredientes utilizados pelos criadores do filme para adentrar na periferia de São Paulo e olhar aquela família singular composta por uma mãe grávida, cujos filhos não convivem com a figura paterna porque ela não mais existe entre eles, somente em fotografias, documentos de um passado apreciados pela mãe nos momentos de solidão. Compõe a família um garoto negro, filho caçula, preocupado em saber da existência paterna, pois é o único que não sabe quem é o pai. Os outros, embora saibam da existência do genitor, são filhos de pais diferentes.

Não farei um resumo detalhado do seu enredo simples, mas não simplista. Para situar o leitor, localizo o centro de onde parte os acontecimentos do filme.

Cada filho dessa família tem um desejo que se configura na vontade e nas ações para realizá-lo. O mais novo é Reginaldo (Kaique de Jesus Santos), obcecado, vive a procura do pai que ele sabe ser motorista de ônibus. Dario (Vinícius de Oliveira) sonha tornar-se jogador profissional. Sua batalha é tentar passar na seleção realizada por olheiros dos médios e grandes times, mas vai sofrer os limites da idade. Ao completar 18, já não interessa. É velho para o mundo do futebol. Denis (João Baldasserini) trabalha como é moto-boy, tem um filho com uma namorada, com quem não vive. Dinho (José Geraldo Rodrigues), é arrimo de família, ajuda a mãe no sustento da casa, trabalhando como frentista. Dinho é evangélico, freqüenta a igreja e atua junto ao pastor. A mãe, Cleuza (Sandra Corveloni, Palma de Ouro de Melhor Atriz em Cannes, 2008), grávida pela quinta vez, sem que se saiba quem é o pai, trabalha como empregada doméstica e está grávida.Torcedora do Corinthians, assume o papel materno e paterno sustentando o lar num equilíbrio delicado.

Walter Salles e Daniela Thomas, tomam essas situações e não carregam a mão no drama. A secura perpassa o filme desde sua exposição inicial até o último instante. Eles não deixam espaço para o sentimentalismo lacrimoso ou piegas. Ao mesmo tempo, tratam seus personagens carinhosamente. Sem idealizá-los, mostram como eles são, como eles reagem no interior das circunstâncias e como cometem pequenas falhas. Os diretores orquestram a história de vida de cada um dos personagens durante alguns meses. Nesse tempo, os acontecimentos narrados prefiguram sempre a iminência do dramático. Optando pela ficção, mas cruzado-a com o documental, fazem isso com habilidade, ainda que deixem lacunas, principalmente na amarração final na trajetória de cada filho. A opção por deixar em aberto pode não satisfazer a maioria dos espectadores, principalmente aqueles que estão acostumados a filmes cujas histórias se desenrolam obedecendo à clássica estrutura de começo, meio e fim. Essas omissões não chegam a perturbar o conjunto da obra. Ao finalizar a narrativa, ou melhor, as pequenas narrativas que formam o todo de Linha de Passe, Walter Salles e Daniela Thomas deixam que o espectador complete os finais. Para isso oferecem pistas ao longo do filme.

Sobre as interpretações, é notável sua condução. Os diretores retiram dos seus intérpretes o melhor. E não apenas do quinteto central, muito bem afinado, já que bem escolhidos. Eles são a alma do filme. Em meio às ótimas interpretações ressalta a criação de Sandra Corveloni. Sem grandiloqüência, visto que o personagem não pede esse registro, a atriz constrói Cleuza com pequenos gestos, olhares reveladores do que se passa em seu íntimo e falas cujas entonações precisas revelam a compreensão do personagem e do lugar onde ele está situado.
O elenco secundário, formado por atores com experiência em teatro, torna os personagens críveis, ainda que as suas participações sejam pequenas. Mas destacam-se as atuações de Fernando Bezerra, o preparador de Dario, de Gabriela Rabelo, a senhora paralítica, de Denise Weinberg, a patroa de Cleuza, além de Luiz Serra e Norival Riso.
Um destaque do filme é a escolha por São Paulo como locus da ação. A cidade, sua imensidão, seu descontrole, servem de moldura para história tratada com sensibilidade já demonstrada pelos diretores em outros filmes. A direção de arte soube captar com precisão os ambientes, da mesma forma que a música que se faz ouvir sem estardalhaço, mas cria o clima sonoro para que os personagens se exponham à luz dos refletores e para a câmera que capta as nuances de suas interpretações.

terça-feira, 2 de setembro de 2008

Registro 204: Laranjas

No livro W ou a memória da infância, de Georges Perec (*1936 +1982), uma bela e triste a narrativa, encontrei a seguinte nota de rodapé: "A palavra orange ("laranja", em francês) é formada de or ("ouro") e ange ("anjo"), o que explica a formulação da advinha (N.T.)". A explicação é dada a propósito da reflexão que o personagem faz a respeito da prova da existência das coisas, no caso a hicória (madeira canadense usada para fazer esqui), cuja raridade era uma das provas de sua existência. O personagem, um menino, fala de coisas ausentes "acerca das quais nos perguntávamos como podiam existir", tal como as laranjas. E na forma de uma adivinhação explicita: "primeiro é um metal precioso, depois um habitante dos céus, o conjunto uma fruta deliciosa...*)" (p. 128). A nota de rodapé explica a formulação e a palavra explicada expressa essa imagem envolvendo ouro e anjo. Como já gostava, e muito, de laranjas, não sei se passei a gostar mais um pouco da fruta. O certo é que elas tornaram-se mágicas para mim, principalmente quando doces e cheias de sumo refrescante. Retirei a imagem que ilustra o texto no ideiasideias.blogs.sapo.pt/1842.html; não encontrado o crédito, registro o lugar de onde veio o quadro com as laranjas tão auríferas e luminosas a despertar em mim tantos desejos. O poder da imagem.
A quem interessar, recomendo a leitura do livro de Perec que nos tinha dado A vida, modo de usar, publicado pela Companhia das Letras (1991). Encontrei W ou a memória da infância, esquecido no meio de uma porção de livros em oferta. Apostei no nome do autor, já conhecido, e mais ainda no título. Para quem acabou de ver os jogos Olímpicos em Pequim, mergulhar no universo opressor narrado por Perec terá uma medida do que é a imposição, o autoritarismo, o pensamento único em um país de nome W onde tudo e todos cultuam de forma impositiva o triunfalismo esportivo. E, coitado daqueles que não conseguem a vitória. Mesmo aqueles que se tornam vencedores, um dia serão retirados do pódio para sofre as terríveis humilhações impostas aos derrotados. Uma metáfora do nazismo, a narrativa nos remete ao questionamento de Adorno: "Como escrever poesia depois de Auschwitz?" Perec, filho de pais mortos pela repressão nazista, consegue romper com a interdição que a pergunta de Adorno coloca e resgata a si e aos pais. Arthur Nestrrovski escreve na orelha do livro e afirma que o autor responde à pergunta, "mesmo em face da impossibilidade de dar conta do que se passou; autores para quem escrever é uma das maneiras - talvez a única - de sobreviver à experiência e às memórias da guerra. Primo Levy e Louis Begley são nomes que vêm à mente, aos quais se junta o de Georges Perec