Picolino II
O Circo Nerino volta à Bahia. Retorna em uma exposição de fotografias organizada por Roger Avanzi (Picolino III) e Veronica Tamaoki. Ele, filho dos fundadores do Nerino, circo criado em Curitiba (1932) e que se aventurou pelo Brasil levando a magia, a alegria, o deslumbramento dos seus espetáculos no picadeiro e no palco. Ela pesquisadora e também fundadora do Circo Escola Picolino.
Inesquecível Circo Nerino...
Em junho de 1955, Ipirá – Bahia, encostado na porta do posto-restaurante O Rodoviário, cujo proprietário era meu pai, eu vi o comboio chegar; caminhões e ônibus, numa fila que para mim era interminável. A longa fila entrou lentamente na cidade que se alvoroçava diante da imponência do cortejo. Nunca se vira tantos caminhões e ônibus juntos por ali. Só quando passavam os romeiros para a festa das Candeias é que eu via um movimento igual ao que presenciei naquele dia.
As crianças, principalmente os meninos, mas as meninas também, todos corriam para ver o Circo Nerino que chegava. Vinha de longe prometendo maravilhamento. A cidade se rendeu diante do número de viaturas, diante do grande elenco. Em pouco tempo os artistas montaram a estrutura circular na praça principal. Dela sairiam os alumbramentos dos espetáculos.
Atraído, fascinado e curioso acompanhei o trabalho daquela gente sem me aproximar. Por contas das histórias de que ouvia: - Gente de circo leva criança para ser treinada, eu temia que isso acontecesse comigo. Mas, se o apavoramento me detinha, a vontade de ser artista de circo me levava para perto daquele reboliço rompendo o marasmo da pequena cidade. A vontade de ser artista diminuía os receios de ser levado para longe. Eu era muito pequeno e não podia sair sem a companhia de um adulto. Portanto, a minha imaginação tratava de criar essa realidade paralela tecida pelo fascínio e por algo que não conseguia tomar forma, como tomou a medida que fui crescendo e os circos foram chegando e partindo.
Na enorme praça da igreja, mais precisamente atrás do imponente templo, armou-se o Nerino, delícia daqueles dias de inverno sertanejo de céu azul e noites frias. Enorme, sólido, se é que um circo pode ser definido por essa qualidade. A imponência de sua estrutura, a grandiosidade de sua forma, inspirava segurança e acolhimento. A maleabilidade da lona, esticada até o limite do permitido, desenhava-se no espaço da praça. Outra paisagem surgia aos meus olhos encantados com o primeiro circo que viam. Era grande o Circo Nerino. Grande aos meus olhos de criança, grande também aos olhos dos adultos, impressionados com a monumental empanada. Era um circo e tanto o Nerino! E a cidade empolgada aguardou o momento da estréia.
Eu vi Picolino, o palhaço. Um deles, visto que são três. Talvez o Picolino I ou II, que seja! Ele era maravilhoso e isso é o que importa. Não me esqueci de suas palhaçadas e do grande colarinho que ele movia habilmente engolindo sua cabeça. Ainda hoje me lembro da roupa e da maquiagem bem definida. Era a imagem mais fiel de um palhaço. Para mim ficou sendo o palhaço dos palhaços.
Havia teatro no Nerino. Não lembro o que vi no palco, mas ainda guardo a imagem de uma cena, principalmente do cenário. Um mar de ondas revoltas que brilhavam à luz dos refletores.
Por fim, recordo-me da moça vestida de branco sobre uma bola azul pontilhada de estrelas prateadas. Ela fazia a bola girar pelo picadeiro enquanto fazia acrobacias, quase uma dança etérea naquele globo-planeta que girava sob seus pés. A orquestra tocava uma valsa e eu, sentado na cadeira forrada de vermelhode não desgrudava os olhos. Eles apreendiam tudo... Na minha quietude de menino, os sentidos aguçados sorviam imagens e sons e cheiros de um mundo que se mistura ao dos outros circos que eu vi, não tão maravilhosos quanto o Nerino, mas queridos da mesma forma: O Pavilhão Zé Bezerra, sem picadeiro, uma construção retangular culminando com o palco onde se dava a função: atrações variadas, como a do mágico que fazia levitar uma moça, e comédias e dramas no final da sessão; o Circo São Raimundo, com suas duas atrações principais, a angelical Maria de Jesus e a loira fatal Ducicleide; e o circo de nome perdido na memória, mas que marcou a minha infância pelo fato de ter desabado na noite em que estreava uma ipiraense cativada pela vida debaixo da lona e pelo amor do palhaço Jatobinha. Quando o Nerino partiu, fiquei na porta do posto-restaurante O Rodoviário, até que os ônibus e caminhões desaparecessem sob o pó da estrada. Eles levavam as minhas muitas saudades e a certeza de que o circo viveria em mim de muitas maneiras.
Inesquecível Circo Nerino...
Em junho de 1955, Ipirá – Bahia, encostado na porta do posto-restaurante O Rodoviário, cujo proprietário era meu pai, eu vi o comboio chegar; caminhões e ônibus, numa fila que para mim era interminável. A longa fila entrou lentamente na cidade que se alvoroçava diante da imponência do cortejo. Nunca se vira tantos caminhões e ônibus juntos por ali. Só quando passavam os romeiros para a festa das Candeias é que eu via um movimento igual ao que presenciei naquele dia.
As crianças, principalmente os meninos, mas as meninas também, todos corriam para ver o Circo Nerino que chegava. Vinha de longe prometendo maravilhamento. A cidade se rendeu diante do número de viaturas, diante do grande elenco. Em pouco tempo os artistas montaram a estrutura circular na praça principal. Dela sairiam os alumbramentos dos espetáculos.
Atraído, fascinado e curioso acompanhei o trabalho daquela gente sem me aproximar. Por contas das histórias de que ouvia: - Gente de circo leva criança para ser treinada, eu temia que isso acontecesse comigo. Mas, se o apavoramento me detinha, a vontade de ser artista de circo me levava para perto daquele reboliço rompendo o marasmo da pequena cidade. A vontade de ser artista diminuía os receios de ser levado para longe. Eu era muito pequeno e não podia sair sem a companhia de um adulto. Portanto, a minha imaginação tratava de criar essa realidade paralela tecida pelo fascínio e por algo que não conseguia tomar forma, como tomou a medida que fui crescendo e os circos foram chegando e partindo.
Na enorme praça da igreja, mais precisamente atrás do imponente templo, armou-se o Nerino, delícia daqueles dias de inverno sertanejo de céu azul e noites frias. Enorme, sólido, se é que um circo pode ser definido por essa qualidade. A imponência de sua estrutura, a grandiosidade de sua forma, inspirava segurança e acolhimento. A maleabilidade da lona, esticada até o limite do permitido, desenhava-se no espaço da praça. Outra paisagem surgia aos meus olhos encantados com o primeiro circo que viam. Era grande o Circo Nerino. Grande aos meus olhos de criança, grande também aos olhos dos adultos, impressionados com a monumental empanada. Era um circo e tanto o Nerino! E a cidade empolgada aguardou o momento da estréia.
Eu vi Picolino, o palhaço. Um deles, visto que são três. Talvez o Picolino I ou II, que seja! Ele era maravilhoso e isso é o que importa. Não me esqueci de suas palhaçadas e do grande colarinho que ele movia habilmente engolindo sua cabeça. Ainda hoje me lembro da roupa e da maquiagem bem definida. Era a imagem mais fiel de um palhaço. Para mim ficou sendo o palhaço dos palhaços.
Havia teatro no Nerino. Não lembro o que vi no palco, mas ainda guardo a imagem de uma cena, principalmente do cenário. Um mar de ondas revoltas que brilhavam à luz dos refletores.
Por fim, recordo-me da moça vestida de branco sobre uma bola azul pontilhada de estrelas prateadas. Ela fazia a bola girar pelo picadeiro enquanto fazia acrobacias, quase uma dança etérea naquele globo-planeta que girava sob seus pés. A orquestra tocava uma valsa e eu, sentado na cadeira forrada de vermelhode não desgrudava os olhos. Eles apreendiam tudo... Na minha quietude de menino, os sentidos aguçados sorviam imagens e sons e cheiros de um mundo que se mistura ao dos outros circos que eu vi, não tão maravilhosos quanto o Nerino, mas queridos da mesma forma: O Pavilhão Zé Bezerra, sem picadeiro, uma construção retangular culminando com o palco onde se dava a função: atrações variadas, como a do mágico que fazia levitar uma moça, e comédias e dramas no final da sessão; o Circo São Raimundo, com suas duas atrações principais, a angelical Maria de Jesus e a loira fatal Ducicleide; e o circo de nome perdido na memória, mas que marcou a minha infância pelo fato de ter desabado na noite em que estreava uma ipiraense cativada pela vida debaixo da lona e pelo amor do palhaço Jatobinha. Quando o Nerino partiu, fiquei na porta do posto-restaurante O Rodoviário, até que os ônibus e caminhões desaparecessem sob o pó da estrada. Eles levavam as minhas muitas saudades e a certeza de que o circo viveria em mim de muitas maneiras.
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