Marlon Brando em O Pecado de Todos Nós, de John Huston
Platão escreveu que um exército composto por casais de amantes seria indestrutível porque um teria vergonha de mostrar-se covarde diante do outro, preceito que Alexandre, o Grande, ao que parece, estimulou em seus batalhões. Não estamos mais na Antigüidade, porém, e a sociedade contemporânea desenvolveu um gigantesco preconceito contra o homoerotismo.
Não é difícil perceber o que se esconde por trás da represália contra o sargento. Quando o homofóbico se exprime, não fala do outro, fala de si mesmo. Isso é verdade para qualquer preconceito. O racista, o anti-semita projetam no ser que odeiam o fantasma envergonhado de si próprios, das pulsões que têm dentro de si. Quando as exprimem, é para melhor escondê-las.
Não é certamente um movimento consciente, mas o esquema é mais ou menos assim: "Se estou acusando, denegrindo, humilhando alguém que manifesta características que eu condeno, é porque, vejam bem, sou o oposto dele, sou isento de seus vícios e defeitos". Está claro, essas características, vícios e defeitos existem apenas na cabeça de quem incrimina.
Só assim pode-se compreender uma ação tão pouco inteligente como aquele cerco da emissora.
É que o bom senso e a razão fogem quando as pulsões reprimidas falam mais forte. Era preciso proclamar para a galáxia que os comandantes não são gays, que os soldados não são gays, que não há nada de gay no Exército: "Estão vendo? Nós não admitimos, nós cercamos, nós prendemos".
Quem quiser intuir o que se passou, veja "O Pecado de Todos Nós" (1967), filme de John Huston, que foi um diretor machão entre os machões. Ou medite sobre a tela "Leônidas nas Termópilas", de David, datada de 1814, apogeu de delírio erótico-militar.
Leônidas nas Termópilas, de David
Ponto de Fuga
Corpos eróticos
JORGE COLI
jorgecoli@uol.com.brA mirabolante notícia de que o Exército cercou uma emissora de TV para prender um sargento que se declarou homossexual traz ensinamentos. O Exército é uma sociedade masculina bastante fechada que exalta a força física e os valores viris. Mundo macho de machos, favorece o homoerotismo, senão o homossexualismo.
Platão escreveu que um exército composto por casais de amantes seria indestrutível porque um teria vergonha de mostrar-se covarde diante do outro, preceito que Alexandre, o Grande, ao que parece, estimulou em seus batalhões. Não estamos mais na Antigüidade, porém, e a sociedade contemporânea desenvolveu um gigantesco preconceito contra o homoerotismo.
Não é difícil perceber o que se esconde por trás da represália contra o sargento. Quando o homofóbico se exprime, não fala do outro, fala de si mesmo. Isso é verdade para qualquer preconceito. O racista, o anti-semita projetam no ser que odeiam o fantasma envergonhado de si próprios, das pulsões que têm dentro de si. Quando as exprimem, é para melhor escondê-las.
Não é certamente um movimento consciente, mas o esquema é mais ou menos assim: "Se estou acusando, denegrindo, humilhando alguém que manifesta características que eu condeno, é porque, vejam bem, sou o oposto dele, sou isento de seus vícios e defeitos". Está claro, essas características, vícios e defeitos existem apenas na cabeça de quem incrimina.
Só assim pode-se compreender uma ação tão pouco inteligente como aquele cerco da emissora.
Holofote
É impossível imaginar uma intervenção mais espalhafatosa: invasão de um programa ao vivo, quando ia ao ar uma questão efervescente, ótima para programas sensacionalistas. A situação criada é muito mais espetacular do que o problema. Qualquer um de sensato procuraria uma solução discreta, para evitar o escândalo, para não transformar aquele sargento em vítima.
É que o bom senso e a razão fogem quando as pulsões reprimidas falam mais forte. Era preciso proclamar para a galáxia que os comandantes não são gays, que os soldados não são gays, que não há nada de gay no Exército: "Estão vendo? Nós não admitimos, nós cercamos, nós prendemos".
Quem quiser intuir o que se passou, veja "O Pecado de Todos Nós" (1967), filme de John Huston, que foi um diretor machão entre os machões. Ou medite sobre a tela "Leônidas nas Termópilas", de David, datada de 1814, apogeu de delírio erótico-militar.
Pele
O corpo humano despido constituiu um dos vetores mais essenciais das artes no Ocidente desde a Antigüidade. Nossos tempos pudicos, porém, mudaram nossos olhos. Ninguém será tomado por um libidinoso por amar a Vênus de Urbino. Mas um interesse acentuado pelo Davi de Michelangelo não passaria insuspeito.
O corpo humano despido constituiu um dos vetores mais essenciais das artes no Ocidente desde a Antigüidade. Nossos tempos pudicos, porém, mudaram nossos olhos. Ninguém será tomado por um libidinoso por amar a Vênus de Urbino. Mas um interesse acentuado pelo Davi de Michelangelo não passaria insuspeito.
Areia
O misto de beleza e de sedução que os nus apresentam nas artes fazia parte do prazer próprio a todos diante das obras. Hoje, ao contrário, homens despidos são classificados dentro de um interesse gay específico.
Há uma exposição, no Gasômetro, em Porto Alegre, de Alair Gomes. Deve ser muito bela, porque se trata de um grande fotógrafo. Tomava imagens de rapazes nas praias do Rio, nos anos de 1970. Corpos flexíveis e longilíneos, captados com elegância. Têm a graça das estátuas antigas.
É preciso limpar os tristes óculos que passamos a usar para contemplá-los com o prazer da ficção artística, sem nos sentirmos ameaçados por medos secretos.
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Folha de S. Paulo, 8, de junho de 2008
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