terça-feira, 5 de junho de 2007
Registro 98: O viajante retorna ao lar
NO PALÁCIO DE ULISSES
CORO DAS SERVAS
Ai ausência de Ulisses: já seu vinho bebido vinha a vinha
já seu leito apetecido.
Todo o tempo é de orgia e de banquete
e já nenhum oráculo o anuncia.
No palácio de Ulisses só a rainha
confia
de noite desfiando em seu tapete
o que fiou de dia.
PENÉLOPE
No tempo bordarei a minha a minha dor
no tempo (esse tapete) bordarei
o tempo que não passa e que passei
fiando e desfiando por amor.
No tempo estas perguntas: onde e quando?
No tempo que se vai e não me leva
àquele por quem sou rainha e serva
fiando por amor e desfiando.
No tempo que se vai e se repete
no tempo bordarei o meu tapete
num fazer-desfazer que me desfaz.
Enquanto o tempo vai e não me leva
enquanto o tempo passa e não me traz
aquele por quem sou rainha e serva
MENSAGEIRO
Dizem que um velho desembarcou em Ítaca
dizem que um velho desembarcou.
Dizem que é cego mas vê. Dizem que sabe o porquê.
E a quem lhe pergunta pelo rei
a quem lhe pergunta responde:
o rei somos nós.
Disse que o rei somos nós.
E a quem lhe pergunta por Ítaca
a quem quem lhe pergunta responde:
Ítaca está dentro de nós.
CORO DOS HOMENS DO POVO
Ítaca está dentro de nós
MENSAGEIRO
E a quem lhe pergunta o que sabe
a quem lhe pergunta responde:
VOZ
Eu nada sei que não se saiba
Ulisses está onde está
dentro de ti dentro de nós
no que não foi no que não há
ele é a voz deste silêncio
e este silêncio que tem voz.
Este silêncio somos nós
este silêncio que tem voz.
MENSAGEIRO
E a quem lhe pergunta quem é
a quem lhe pergunta reponde:
Entra o VELHO
Quem somos donde vimos para onde vamos?
Há muito já que moro no porquê.
Nada sabemos senão que passamos.
E há sempre um homem que já foi.
Há um homeme que ainda não é.
É esse que me dói.
PENÉLOPE
Quem és tu ó estrangeiro? Quem és e donde vens?
VELHO
Pode o homem ter muitos nomes e não ter nenhum
pode ter um só nome tendo muitos.
Pode ter uma pátria e já não ter nenhuma
ou tendo muitas ter uma só.
Pode ter uma pátria que nunca teve
e pode ter uma pátria que não há.
_________________________________________________
ALEGRE, Manuel. Um barco para Ítaca. Lisboa: Nosso Tempo, 1971, pp. 56-57
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário