INFÂNCIA E HISTÓRIA
ENSAIO SOBR A DESTRUIÇÃO DA EXPERIÊNCIA
Giorgio Agamben
Todo discurso sobre a experiência deve partir atualmente da constatação de que ela não é mais algo que ainda nos seja dado fazer. Pois, assim como foi privado da sua biografia, o homem contemporâneo foi expropriado de sua experiência: aliás, a incapacidade de fazer e transmitir experiências talvez seja um dos poucos dados certos de que disponha sobre si mesmo. Benjamin, que já em 1933 havia diagnosticado com precisão esta “pobreza de experiência da época moderna, indicava suas causas na catástrofe da guerra mundial, de cujos campos de batalha “a gente voltava emudecida... não mais rica, porém mais pobre de experiências partilháveis... Visto que as experiências jamais receberam desmentido tão radical quanto as experiências estratégicas na guerra de posição, as experiências econômicas na inflação, as experiências corpóreas na fome, as experiências morais no despotismo. Uma geração que tinha ido à escola em bonde puxado a cavalo encontrava-se em pé, sob o céu, numa paisagem em que nada permanecera inalterado, salvo as nuvens; e no centro, em um campo de força de correntes destrutivas e explosões, o frágil, minúsculo corpo humano.
Porém, nós hoje sabemos que, para a destruição da experiência, uma catástrofe não é de modo alguma necessária, e que a pacífica existência cotidiana em uma grande cidade é, para esse fim, perfeitamente suficiente. Pois o dia-a-dia do homem contemporâneo não contém quase que seja ainda traduzível em experiência: não a leitura do jornal, tão rica em notícias do que lhe diz respeito a uma distância insuperável; não os minutos que passa, preso ao volante, em um engarrafamento; não a viagem às regiões ínferas nos vagões do metrô nem a manifestação que de repente bloqueia a rua; não a névoa dos lacrimogêneos que se dissipa lenta entre os edifícios do centro e nem mesmo os súbitos estampidos de pistola detonados não se sabe onde; não a fila diante dos guichês de uma repartição ou a visita aos país da Coconha do supermercado nem os eternos momentos de muda promiscuidade com o desconhecidos no elevador ou no ônibus. O homem moderno volta para casa à noitinha extenuado por uma mixórdia de eventos – divertidos ou maçantes, banais ou insólitos, agradáveis ou atrozes – entretanto nenhum deles se tornou experiência.
AGABEN, Giorgio. Infância e história: destruição da experiência e origem da história. Belo Horizonte, MG:UFMG, 2005, p. 21-22
ENSAIO SOBR A DESTRUIÇÃO DA EXPERIÊNCIA
Giorgio Agamben
Todo discurso sobre a experiência deve partir atualmente da constatação de que ela não é mais algo que ainda nos seja dado fazer. Pois, assim como foi privado da sua biografia, o homem contemporâneo foi expropriado de sua experiência: aliás, a incapacidade de fazer e transmitir experiências talvez seja um dos poucos dados certos de que disponha sobre si mesmo. Benjamin, que já em 1933 havia diagnosticado com precisão esta “pobreza de experiência da época moderna, indicava suas causas na catástrofe da guerra mundial, de cujos campos de batalha “a gente voltava emudecida... não mais rica, porém mais pobre de experiências partilháveis... Visto que as experiências jamais receberam desmentido tão radical quanto as experiências estratégicas na guerra de posição, as experiências econômicas na inflação, as experiências corpóreas na fome, as experiências morais no despotismo. Uma geração que tinha ido à escola em bonde puxado a cavalo encontrava-se em pé, sob o céu, numa paisagem em que nada permanecera inalterado, salvo as nuvens; e no centro, em um campo de força de correntes destrutivas e explosões, o frágil, minúsculo corpo humano.
Porém, nós hoje sabemos que, para a destruição da experiência, uma catástrofe não é de modo alguma necessária, e que a pacífica existência cotidiana em uma grande cidade é, para esse fim, perfeitamente suficiente. Pois o dia-a-dia do homem contemporâneo não contém quase que seja ainda traduzível em experiência: não a leitura do jornal, tão rica em notícias do que lhe diz respeito a uma distância insuperável; não os minutos que passa, preso ao volante, em um engarrafamento; não a viagem às regiões ínferas nos vagões do metrô nem a manifestação que de repente bloqueia a rua; não a névoa dos lacrimogêneos que se dissipa lenta entre os edifícios do centro e nem mesmo os súbitos estampidos de pistola detonados não se sabe onde; não a fila diante dos guichês de uma repartição ou a visita aos país da Coconha do supermercado nem os eternos momentos de muda promiscuidade com o desconhecidos no elevador ou no ônibus. O homem moderno volta para casa à noitinha extenuado por uma mixórdia de eventos – divertidos ou maçantes, banais ou insólitos, agradáveis ou atrozes – entretanto nenhum deles se tornou experiência.
AGABEN, Giorgio. Infância e história: destruição da experiência e origem da história. Belo Horizonte, MG:UFMG, 2005, p. 21-22
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