domingo, 23 de dezembro de 2012

Registro 414: Mantra




Om Om Om 
Sarvesham Svastir bhavatu 
Sarvesham Shantir bhavatu 
Sarvesham Poornam bhavatu 
Sarvesham Mangalam bhavatu 
Om, Shanti, Shanti, Shanti 

Que bem-estar, paz, plenitude, felicidade, 
tranquilidade e prosperidade sejam alcançados por todos.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Registro 413: O que resta da Bahia


O texto de Antonio Risério me foi enviado por uma amiga com quem gosto de trabalhar, embora trabalhemos muito pouco juntos. Ao ler o texto, lembrei-me de quando cheguei a Salvador, vindo do interior para estudar. Aos 15 anos, em vista das circunstâncias, tornei-me dono do meu nariz. Vivia em uma pensão de estudantes na Rua São Raimundo, 14. Havia uma simplicidade, um jeito elegante de agir, sem muitos rapapés, mas de uma maneira civilizada. Frequentava o cinema e como era bom assistir ao filme concentrado, como todos os espectadores que iam ao cinema para se deleitar com o filme e não para conversar, como agora. Hoje em dia, quando reclamamos da conversa ou dos celulares ligados, somos acusados de intolerantes. Um absurdo!

O casarão onde morei um bom tempo de minha vida de estudante ainda existe, mas está completamente desfigurado. Mas que fazer?A Cidade da Bahia está desfigurada.

Conforme Risério, perdemos o prumo, ou seja, andamos sem urbanidade. A grossura capeia leve e solta por todas as classes, um traço que nos une agora. Estamos boçais, mal-educados, arrogantes e sem distinção, de distinto, veja lá! Lá pelos anos 60, éramos bem educados; elegantes, finos, discretos. Tínhamos uma maneira honesta, correta e impecável de proceder, sem perder a alegria, a brincadeira, a  sensualidade. Não éramos grosseirões.

Eu, garoto de 15 anos, vivi intensamente está velha urbe que mantinha um padrão de civilidade, de cordialidade, demonstração de que tínhamos aprendido no interior doméstico como nos comportar no espaço privado e no espaço público. Ricos e pobres igualavam-se (os marxistas vão me odiar) na atitude que tinham consigo e com a coisa pública, com o outro. Se havia vulgaridade, ela se tornava como coisa doentia, não para ser expurgada pela higienização. Não. Ela desaparecia em meio aos atos sensíveis que tornaram o baiano e a Bahia uma referência, agora perdida para a grosseria. Triste Bahia...

A GROSSERIA BAIANA

                                                                                  Antonio Risério

Outro dia, numa conversa, nossa first lady Fátima Mendonça, comentando certas cenas que presenciara, se lamentou da crescente falta de educação das pessoas. Concordei imediatamente com ela.

E disse que isto era especialmente triste em Salvador, que já foi uma cidade de pessoas gentis e educadas, tanto em recintos fechados quanto nos espaços públicos. E em todas as classes sociais. Mas que hoje, e também em todas as classes sociais, é uma cidade onde a vulgaridade e a grosseria predominam. Não sei se ela concordou comigo.

Mas aproveito a ocasião para rabiscar uma nota sobre o assunto. Porque, diante do fenômeno urbano, é possível distinguir entre, pelo menos, quatro coisas: urbanização, urbanismo, urbanicidade e urbanidade. E não custa nada definir, mesmo que superficialmente, esses termos. Recorrendo livremente a John Palen – e colocando algumas azeitonas em sua empada.

Urbanização diz respeito ao aspecto quantitativo do fenômeno. Ao número e à dimensão de cidades num país – a coisas como “taxa de urbanização”, etc. Urbanismo, por sua vez, é o campo das reflexões, dos projetos e desenhos, das configurações físicas da cidade. Mas não  é com urbanização ou urbanismo que lidamos, neste momento. E, sim, com urbanicidade (como pano de fundo) e com urbanidade (a questão que provocou as observações de nossa primeira dama).

Urbanicidade é um termo que diz respeito ao aspecto sócio-cultural da questão. É o lado cultural humano da urbanização. Diz respeito aos padrões sociais e comportamentais associados ao viver em cidades. À personalidade do urbanita (atenção: é urbanita mesmo e não urbanista; o urbanita é o indivíduo citadino). Às mudanças sociais, culturais, psicológicas, etc., provocadas pela urbanização. Aos estilos e técnicas citadinos de viver.

Urbanidade, por fim, tem dois sentidos. De uma parte, é um ideal de comportamento urbano – tanto da sociedade quanto no plano individual. De outra parte, diz respeito à educação urbana, à lhaneza no trato social. Meu amigo Marcelo Ferraz, em suas discussões de arquitetura e urbanismo, costuma lembrar que o pai dele costumava empregar a expressão.

De fato, não faz tempo, falava-se de urbanidade no sentido de educação pessoal e social. A urbanidade de um lugar era o seu grau de polidez e respeito aos outros e aos bens comuns. Quando alguém empregava a expressão “um sujeito urbano”, por exemplo, estava se referindo a uma pessoa polida, educada. E é exatamente isto o que estamos perdendo ou já foi perdido: a urbanidade. E é a perda de urbanidade que choca nossa querida Fátima Mendonça.

Com inteira, inteiríssima razão. Urbanismo à parte, esta nossa cidade do Salvador, por exemplo, possui um grau razoável de urbanização, um baixíssimo grau de urbanicidade – e parece já não ter a mínima noção do que é ou do que foi urbanidade. Lamentavelmente. Vemos isto em festas, em recepções, nos restaurantes supostamente chiques, em filas para isto ou aquilo, nas relações interpessoais, no atendimento dos serviços públicos, no comportamento diante dos bens coletivos, nos absurdos agressivos do trânsito, etc., etc.

O educado e informado Marcelo Ferraz se pergunta sempre – e, certa vez, me perguntou: em que momento foi que algo se esgarçou e rompeu, para que perdêssemos assim o trato urbano, no sentido da urbanidade, da condição de viver civilizadamente numa cidade? Sinceramente, Marcelo, confesso que não sei em que momento foi. Mas perdemos.

Em A Morte e a Morte de Quincas Berro d’Água (por favor, revisor: não coloque “morte” em caixa baixa, seguindo o atual padrão acadêmico de citar, que foi adotado pelos professorais daqui, mas não  tenho nada a ver com isso), Jorge Amado fala dos “ritos de gentileza” do povo da Bahia. Mas esses ritos pertencem já ao passado. É uma pena. Chegamos hoje a um grau baixo demais, em matéria de educação doméstica e urbana.

E isto – esta queda – nada tem a ver com pobreza. De jeito algum. Vivi minha juventude numa cidade pobre, mas que sabia o que era trato urbano. Neste sentido de civilidade. De urbanidade. E adianto, sem que ninguém me pergunte, que me envergonha o fato de que hoje o povo baiano seja imbatível, no contexto brasileiro, em matéria de grosseria e grossura. De falta de educação.